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As Digitais dos deuses: (7) Houve, Então, Gigantes?

Pouco depois das 6h da manhã o pequeno trem começou a mover-se com um tranco e iniciou a lenta subida pelas íngremes encostas do vale de Cuzco. Os trilhos, de bitola estreita, haviam sido assentados em uma disposição em forma de Z. Seguimos resfolegando pela linha horizontal mais baixa do primeiro Z, mudamos de marcha e voltamos em um curso oblíquo, mudamos de marcha novamente e seguimos para a frente ao longo da linha superior – e assim por diante, com numerosas paradas e recomeços, seguindo uma rota que por fim nos levou para um ponto muito acima da antiga cidade. As muralhas incas e os palácios coloniais, as ruas estreitas, a catedral de Santo Domingo, vista como que agachada sobre as ruínas do templo de Viracocha, tudo aquilo parecia espectral e surrealista à luz pérola acinzentada do céu matutino.

Edição e imagens:  Thoth3126@protonmail.ch

Livro “AS DIGITAIS dos DEUSES“, uma resposta para o mistério das origens e do fim da civilização

Por Graham Hancock, livro “AS DIGITAIS DOS DEUSES”, Tradução de Ruy Jungmann, editora Record 2001.

CAPÍTULO 7  – Houve, Então, Gigantes?

Um rosário de lâmpadas elétricas, lembrando contos de fada, ainda decorava as ruas, um nevoeiro fino arrastava-se pelo chão e a fumaça de fogões domésticos subia de chaminés e se espalhava sobre os telhados de um número incontável de pequeninas casas. No fim, o trem deu as costas a Cuzco e continuamos durante algum tempo em linha reta na direção norte-oeste, a caminho de nosso destino: Machu Picchu, a cidade perdida dos incas, a cerca de três horas e 130km à frente. Minha intenção fora ler durante a viagem, mas, embalado pelo movimento do vagão, em vez disso, ferrei no sono. Acordei cinqüenta minutos mais tarde e descobri que estava passando através de uma pintura.

O primeiro plano, brilhantemente iluminado, consistia de prados verdes planos, borrifados de pequenos trechos de orvalho que derretia, distribuídos de cada lado de um riacho que cortava um longo e largo vale. No centro da paisagem, que era pontilhada de arbustos, vi um largo campo, no qual pastavam vacas malhadas de preto e branco. Próximo a elas, distingui um povoado e, na frente das casas, índios quíchuas, de baixa estatura, pele escura, vestidos com ponchos, boinas tipo ninja e coloridos chapéus de lã. A distância, encostas cobertas com figueiras e exóticos eucaliptos. Meus olhos seguiram os contornos de um par de altas montanhas verdes, que, em certa altura, se separavam para revelar trechos de platôs que se desdobravam, ainda mais altos. Atrás deles, alteava-se um horizonte distante, dominado por uma cordilheira de picos recortados radiantes e coroados de neve.

Huayna Picchu – A montanha maior, atrás da cidade.

Incluindo Gigantes no Elenco

Tomado de compreensível relutância, voltei finalmente à leitura interrompida. Queria examinar com mais atenção algumas das curiosas ligações que eu pensava ter identificado e que conectava o aparecimento súbito de Viracocha com as lendas sobre o dilúvio, dos incas e de outros povos andinos. Tinha diante dos olhos um trecho do Natural and Moral History of the Incas, de Frei José de Acosta, no qual o culto sacerdote registrara “o que os próprios índios pensam de suas origens”:

Eles fazem referências abundantes a um dilúvio que aconteceu em suas terras (…) Dizem que todos os homens morreram afogados no dilúvio, e afirmam que, do lago Titicaca, saiu um Viracocha, que permaneceu em Tiahuanaco, onde hoje podem ser vistas ruínas de antigos e estranhos edifícios, e daí ele veio para Cuzco, e assim a humanidade começou a multiplicar-se…

Anotando mentalmente para me informar mais sobre o lago Titicaca e a misteriosa Tiahuanaco, li o trecho seguinte, que resumia a lenda da área de Cuzco:

Por algum crime não mencionado, o povo que vivia nos tempos mais antigos foi destruído pelo criador (…) em um dilúvio. Após o dilúvio, o criador apareceu em forma humana, vindo do lago Titicaca. Em seguida, ele criou o sol, a lua e as estrelas. Depois disso, renovou a população humana da terra…

Em outro “mito”:

O grande Deus Criador, Viracocha, resolveu fazer um mundo onde o homem pudesse viver. Em primeiro lugar, criou a terra e o céu. Em seguida, começou a gerar seres humanos para nele viver, esculpindo grandes estátuas de gigantes de pedra, às quais em seguida deu vida. No início, tudo correu bem, mas, após algum tempo, os gigantes começaram a lutar entre si e recusaram-se a trabalhar. Viracocha resolveu que tinha que destruí-los. Transformou alguns novamente em pedra (…) e destruiu o resto com uma grande inundação.

Idéias muito semelhantes são, claro, encontradas em outras fontes inteiramente diferentes e sem conexão com esta, tal como o Velho Testamento judaico. No Capítulo 6 do Livro do Gênesis, por exemplo, que descreve o desagrado do Deus hebraico com sua criação e a decisão de destruí-la, um dos poucos trechos descritivos da era anterior ao dilúvio me deixava muito intrigado. De acordo com a linguagem enigmática do versículo:

“Ora, naquele tempo havia gigantes na terra…”

Poderiam os “gigantes” sepultados nas areias bíblicas do Oriente Médio ter estado ligados de maneira desconhecida aos “gigantes” costurados no tecido das lendas americanas nativas pré-colombianas? Tornando o mistério ainda mais insondável, havia o fato de que as fontes judaica e peruana continuavam, com muitos detalhes adicionais comuns, a descrever a “irada divindade” que desencadeou o dilúvio catastrófico sobre o mundo mau e desobediente. Na página seguinte do maço de documentos que eu reunira havia a descrição abaixo do dilúvio, transcrita por um certo padre Molina em seu Relacion de las fabulas y ritos de los Yncas:

Na vida de Manco Capac, o primeiro inca, e imitando o qual eles começaram a bravatear que eram filhos do sol, e do qual herdaram a adoração idólatra do sol, eles receberam uma descrição detalhada do dilúvio. Dizem que nele pereceram todas as raças de homens e coisas criadas, à medida que as águas subiam acima dos mais altos picos das montanhas do mundo. Nenhum ser vivo sobreviveu, exceto um homem e uma mulher, que permaneceram em uma caixa e, quando as águas desceram, o vento levou-os (…) para Tiahuanaco [onde] o criador começou a criar os homens e as nações que vivem naquela região…

Incas

Garcilaso de la Vega, filho de um nobre espanhol e de uma mulher inca de sangue real, já era conhecido meu através de seu Royal Commentaries of the Incas. Ele era julgado um dos historiadores mais idôneos das tradições do povo de sua mãe e realizara esse trabalho no século XVI, pouco depois da conquista, época em que essas tradições não haviam sido ainda contaminadas por influências estrangeiras. Ele, igualmente, confirmou o que obviamente tinha sido uma crença universal e profundamente gravada na mente do povo:

“Após terem descido as águas do dilúvio, um certo homem apareceu nas terras de Tiahuanaco…”

Esse homem fora Viracocha. Envolvido em seu casaco, era forte e de “semblante augusto” e caminhava com confiança inabalável através das terras mais traiçoeiras. Realizava curas milagrosas e podia chamar o fogo dos céus. Para os índios, esse fato tinha de significar que ele se materializara vindo do nada.

Tradições Antigas

Nesse momento, viajávamos já há mais de duas horas para Machu Picchu e o panorama mudara. Enormes montanhas pretas, sobre as quais nenhum traço de neve permanecera para refletir a luz do sol, alteavam-se sombrias acima de nós e parecia que estávamos correndo através de um desfiladeiro rochoso, ao fim de um vale estreito repleto de sombras escuras. O ar estava frio e, também, os meus pés. Arrepiei-me todo e voltei a ler. Um fato era óbvio em meio à confusa teia de lendas que eu examinava, lendas que se suplementavam entre si, mas que ocasionalmente se contradiziam. Todos os estudiosos concordavam em que os incas haviam tomado de empréstimo, absorvido e transmitido a seus herdeiros as tradições de muitos dos diferentes povos civilizados sobre os quais haviam estendido seu controle durante os séculos de expansão do vasto império.

Nesse sentido, qualquer que seja o resultado do debate histórico sobre a antiguidade dos próprios incas, ninguém poderá contestar-lhes seriamente o papel de disseminadores de antigos sistemas de crenças de todas as grandes culturas arcaicas – costeiras e do altiplano, conhecidas e desconhecidas – que os havia precedido nessa terra. E quem poderia dizer exatamente que civilizações teriam existido no Peru nos inexplorados períodos do passado? Todos os anos, arqueólogos anunciam novos achados, que empurram os horizontes para uma época ainda mais remota no tempo.

Neste caso, por que não poderiam algum dia descobrir prova da penetração nos Andes, na remota antiguidade, de uma raça de civilizadores que veio do ultramar e que foi embora após concluir seu trabalho? Isso era o que me parecia que as lendas sugeriam, lendas que, acima de tudo e com a maior clareza, haviam imortalizado a memória do homem/deus Viracocha, percorrendo em passos largos as gargantas varridas pelos ventos dos Andes e fazendo milagres por onde quer que andasse:

O próprio Viracocha, com seus dois ajudantes, viajou para o norte (…) Ele mesmo subiu a cordillera, um ajudante desceu a costa e o outro chegou até as bordas das florestas do leste. (…) O Criador prosseguiu em seu caminho até Urcos, nas proximidades de Cuzco, e daí continuou para o norte e o Equador. Nessa região, na província costeira de Manta, ele se despediu de seu povo e, caminhando sobre as águas, desapareceu no outro lado do oceano.

Havia sempre esse pungente momento de adeus ao fim de todas as histórias populares, que tinha como personagem principal o notável estrangeiro cujo nome significa “Espuma do Mar”:

Viracocha continuou em seu caminho, criando as raças de homens. (…) Ao chegar ao distrito de Puerto Viejo, a ele se reuniram os ajudantes que enviara antes em viagem e, quando se reuniram, ele entrou no mar em companhia deles, e o povo do local disse que ele e seus companheiros andavam sobre a água com tanta facilidade como se andassem sobre terra.

Sempre esse pungente adeus… e, não raro, com uma sugestão de ciência ou magia.

Cápsula do Tempo

Do lado de fora da janela do trem, coisas estavam acontecendo. À esquerda, engrossado com água escura, vi o rio Urubamba, um tributário do Amazonas e rio sagrado para os incas. A temperatura do ar subira claramente; havíamos descido para um vale relativamente baixo, com um microclima tropical próprio. As encostas de montanha que subiam de cada lado dos trilhos estavam cobertas por florestas verdes fechadas, e lembrei-me de que esta era, realmente, uma região de obstáculos vastos e virtualmente insuperáveis. Quem quer que tivesse se aventurado por todo este caminho, até o centro do nada, para construir Machu Picchu, devia ter um motivo muito forte para assim proceder. Qualquer que tenha sido a razão, a escolha de uma localização tão remota teve pelo menos um efeito secundário benéfico: Machu Picchu jamais foi descoberta pelos conquistadores e pelos frades em seus primeiros dias de zelo destrutivo. Na verdade, só em 1911, quando a herança fabulosa das raças mais antigas começou a ser tratada com maior respeito, é que um jovem explorador americano, Hiram Bingham, desvendou Machu Picchu para o mundo.

Machu Picchu

Imediatamente se compreendeu que esse local incrível abria uma janela excepcional para a civilização pré-colombiana. Em conseqüência, as ruínas foram protegidas contra saqueadores e caçadores de suvenires e foi assim preservado um pedaço importante do passado enigmático, que encheria de espanto futuras gerações. Tendo passado por uma pequenina cidade chamada Agua Caliente (Água Quente), onde uns poucos restaurantes de terceira classe e bares ordinários como que olhavam debochados, de ambos os lados dos trilhos, para os viajantes, chegamos à estação de Puentas Ruinas, em Machu Picchu, às 9h10m da manhã. Daí, uma viagem de meia hora de ônibus por uma estrada de terra cheia de voltas e por uma íngreme e assustadora trilha de montanha levou-nos à própria Machu Picchu, às ruínas, e a um hotel não muito limpo. Éramos os únicos hóspedes. Embora anos tivessem se passado desde que o movimento guerrilheiro local bombardeara pela última vez o trem de Machu Picchu, poucos eram os estrangeiros que ainda se sentiam interessados em conhecer essas paragens.

Machu Picchu Sonhando

Eram 2h da tarde. Eu me encontrava em um ponto elevado na ponta sul do local. Diante de meus olhos, as ruínas estendiam-se na direção norte, em terraços cobertos de líquens. Grossas nuvens formavam anéis em torno dos picos das montanhas, mas o sol ainda irrompia ocasionalmente aqui e ali. Bem abaixo no vale, o rio sagrado enroscava-se em uma curva fechada em torno da formação central onde se ergue Machu Picchu, como um fosso em volta de um castelo gigantesco. Dessa altura, o rio parecia de um verde profundo, refletindo o verdor das encostas íngremes da selva. Mas havia também trechos de água clara e lampejos deslumbrantes de luz. Olhei para as ruínas, que se estendiam na direção do pico mais alto. O nome do pico é Huana Picchu e constitui presença obrigatória nos pôsteres de todas as agências de viagem que mostram o local. Para meu espanto, notei nesse momento que, por uma centena de metros, mais ou menos, abaixo do pico, a montanha fora cortada em terraços e esculpida. Alguém estivera lá em cima e raspara com todo cuidado os penhascos quase verticais e os transformara em graciosos jardins suspensos que, em tempos imemoriais, talvez tivessem sido plantados com flores de cores vivas.

Pareceu-me que todo aquele sítio, juntamente com a moldura que o cercava, era uma obra monumental de escultura, composta em parte de montanhas, em parte de rochas, em parte de árvores, em Parte de pedras – e também em parte de água. Era um local arrebatadoramente belo e, sem a menor dúvida, um dos mais belos que jamais conheci. A despeito de seu brilho luminoso, porém, achei que estava olhando para uma cidade de fantasmas lá embaixo. Lembrava o naufrágio do Marie Celeste, abandonado e insone. As casas haviam sido dispostas em longos terraços, todas minúsculas, com um único cômodo, dando diretamente para a rua estreita, em uma arquitetura sólida e funcional, mas de modo nenhum refinada. Em contraste, certas áreas cerimoniais foram construídas segundo um padrão infinitamente superior e incorporavam blocos gigantescos, semelhantes aos que eu vira em Sacsayhuamán.

Um monólito em forma de polígono fora lixado até atingir uma perfeição sedosa e tinha 3,65m de comprimento por 1,5m metro de largura e 1,5m de espessura e não podia ter pesado menos de 200 toneladas. De que maneira os antigos construtores haviam conseguido içar a pedra até aquele local? E havia também dezenas de outros, semelhantes, todos eles organizados segundo o modelo de paredes com a forma conhecida de quebra-cabeças, com ângulos que se encaixavam. Em um único bloco, consegui contar “33” ângulos, todos eles engatando-se de forma perfeita, com um ângulo correspondente no bloco vizinho. Havia polígonos maciços e pedras de cantaria perfeitas, com quinas afiadas como navalhas. E também calhaus naturais, em bruto, integrados no desenho geral em certo número de pontos. E não faltavam também dispositivos estranhos, como o Intihuatana, o “posto de amarração do sol”. Esse artefato notável consiste de um bloco de rocha cinzento e cristalino, cortado em uma forma geométrica complexa de curvas e ângulos, nichos escavados e suportes externos, tendo no centro um curto espigão vertical.

Intihuatana em Machu Picchu

Quebra-Cabeça

Qual a antiguidade de Machu Picchu? O consenso nos meios acadêmicos universitários é que a cidade não poderia ter sido construída muito antes do século XV d.C. Opiniões contrárias, no entanto, têm sido manifestadas ocasionalmente por certo número de estudiosos respeitáveis, embora mais ousados. Na década de 1930, por exemplo, Rolf Muller, professor de Astronomia da Universidade de Potsdam, encontrou indícios convincentes que sugeriam que os aspectos mais importantes de Machu Picchu revelavam alinhamentos astronômicos importantes. A vista desses alinhamentos e com emprego de computações matemáticas detalhadas sobre as posições das estrelas no milênio anterior (que gradualmente rebaixam as épocas como resultado de um fenômeno conhecido como precessão dos equinócios), Muller concluiu que a disposição original do local só poderia ter sido realizada na “era de 4000 a.C. a 2000 a.C”.

Em termos de história (erudição acadêmica) ortodoxa, essa conclusão era uma heresia de audaciosas proporções. Se Muller tinha razão, Machu Picchu não tinha apenas uns 500 anos de idade, mas poderia ter nada menos do que 6.000. Esse número tornaria a cidade muito mais antiga do que a Grande Pirâmide do Egito (supondo, claro, que aceitemos a datação “acadêmica ortodoxa” da Grande Pirâmide como sendo do ano 2500 a.C.). Mas houve vozes discordantes no tocante à antiguidade de Machu Picchu e a maioria, como a de Muller, estava convencida de que partes do local eram milhares de anos mais antigas do que a data preferida pelos “historiadores ortodoxos”.

Tal como os grandes blocos poligonais que constituíam as muralhas, esta era uma idéia que dava a impressão de que poderia, talvez, encaixar-se em outras peças do quebra-cabeça – neste caso, o quebra-cabeça de um passado que não fazia mais qualquer sentido. Viracocha era parte do mesmo quebra-cabeça. Todas as lendas diziam que ele tivera sua capital em Tiahuanaco. As ruínas dessa grande e antiga cidade situavam-no no outro lado da fronteira, na Bolívia, em uma área conhecida como Collao, a 32km do lago Titicaca. Poderíamos lá chegar, calculei, em uns dois dias, passando por Lima e La Paz.


Mais informações, leitura adicional:

Permitida a reprodução desde que mantida na formatação original e mencione as fontes.

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