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A Caverna dos Antigos (7)

Posted by on 28/02/2021

caverna-dos-antigos-lobsang-rampaEste é um livro que trata do Oculto e dos Poderes do Homem. É livro simples, no sentido de que nele não há “palavras estrangeiras”, palavras em sânscrito, nem coisa alguma de línguas mortas. A pessoa média quer SABER as coisas, e não ficar a adivinhar palavras que o autor médio tampouco compreende!

Se um autor sabe trabalhar, pode escrever, sem ter de disfarçar sua falta de conhecimento com o emprego de uma língua estrangeira. Um número demasiado de pessoas deixa-se envolver pela confusão. As leis da Vida são realmente simples; não há necessidade alguma de revesti-las de cultos místicos ou pseudo-religiões. Tampouco existe qualquer necessidade de que alguém afirme ter tido “revelações divinas”. QUALQUER PESSOA pode obter as mesmas “revelações”, se se esforçar por alcança-las…

Edição e imagens:  Thoth3126@protonmail.ch

T. LOBSANG RAMPA, e o livro “A CAVERNA DOS ANTIGOS

Nenhuma religião tem em si as Chaves do Céu, nem pessoa alguma será condenada para sempre, por ter entrado em uma igreja com o chapéu na cabeça, ao invés de tirar os sapatos. À entrada das lamaserias tibetanas, lê-se a inscrição: “Mil monges, mil religiões”.

lobsang_rampaQualquer que seja nossa crença, se ela englobar o “faze ao próximo o que queres que te seja feito”, teremos êxito, quando soar o Chamamento final. Alguns dizem que o Conhecimento Interior só pode ser obtido ingressando-se neste ou naquele culto, ao mesmo tempo em que se faça o pagamento de uma contribuição substancial.

As Leis da Vida dizem: “Procura e encontrarás”. Este livro é o fruto de toda uma vida, de ensinamentos obtidos nas grandes lamaserias do Tibete e de poderes conquistados por uma observância rigorosa das Leis. Trata-se de conhecimento transmitido pelos Antigos, e se acha inscrito nas Pirâmides do Egito, nos Altos Templos da Cordillheira dos Andes e no maior de todos os repositorios de conhecimentos ocultos do mundo, o Planalto do Tibete – T. LOBSANG RAMPA [Nasceu: Cyril Henry Hoskin-8 April 1910, em Plympton, Devon, United Kingdom – Morte: 25 January 1981 (aged 70) Calgary, Alberta, Canada]


Capítulo 7

Um vento gélido, frigidíssimo, soprava, vindo das montanhas. Poeira e pedrinhas esvoaçavam no ar, parecendo visar aos nossos corpos encolhidos. Animais que a idade tornara prudentes apresentavam-se de cabeça baixa para o vento, para que os pelos não fossem levantados, fazendo-os perder calor. Demos a volta ao Kundu Ling e entramos no Mani Lhakhang. Uma lufada repentina de ar, ainda mais feroz do que as outras, irrompeu sob o manto de um de meus companheiros, e com um berro de pavor ele foi atirado ao ar, como se fosse um papagaio.

Nós olhamos para cima, apavorados, as bocas abertas. Ele parecia estar voando para a Cidade, os braços abertos, o manto enfunado, tendo adquirido dimensões gigantescas. Veio uma pausa ao vento e ele caiu como uma pedra, no Kaling Chu! Corremos aflitos para lá, receando que ele se afogasse. Chegados à margem, ele — Yulgye — parecia de pé na água, até a altura dos joelhos. A ventania gemeu com força renovada, fazendo com que Yulgye virasse e trazendo-o de volta a nossos braços. Maravilha das maravilhas, ele quase não se molhara, a não ser dos joelhos para baixo. Saímos dali apressadamente, apertando os mantos nos corpos, para também não sermos atirados ao ar.

Marchávamos pela Mani Lhakhang, e que marcha fácil era aquela! A ventania uivante nos empurrava, e nosso esforço único era manter a posição vertical! Na Aldeia de Shö, uma comitiva de damas de alta patente procurava abrigo. Eu sempre gostava de adivinhar qual poderia ser a identidade da pessoa par trás da máscara de couro. Quanto mais “jovem” fossem as faces pintadas sobre o couro, tanto mais velhas as mulheres que as usavam. O Tibete é país cruel e duro, com ventos uivantes a derrubar torrentes de pedras e areia das montanhas. Homens e mulheres muitas vezes usavam máscaras de couro, como proteção contra as tempestades. Essas máscaras, com frestas para os olhos e outra pela qual se respirava, eram invariavelmente pintadas com uma representação que o portador fazia de si mesmo!

—Vamos passar pela Rua das Lojas! — gritou Timon, lutando por fazer-se ouvir acima da ventania.

—Pura perda de tempo, — gritou Yulgye. — Eles fecham as persianas quando sopra ventania assim. De outro modo, as mercadorias seriam arrastadas pelo vento. Prosseguimos com pressa, em velocidade duas vezes maior do que a normal. Passando pela Ponte de Turquesa, tivemos de segurar-nos uns aos outros, tamanha a força do vento. Olhando para trás, vimos que a Pótala e a Montanha de Ferro estavam cingidas por uma nuvem negra. Era uma nuvem composta de partículas de poeira e pedrinhas, que tinham rolado dos Himalaias Eternos. Seguindo à frente com pressa, temendo que a nuvem negra nos apanhasse se nos retardássemos pela Casa de Doring, pouco além do Círculo Interno, ao redor do imenso Jo Kang. Estrugindo, a tempestade desabou sobre nós, batendo em nossas cabeças e rostos desprotegidos. Timon ergueu instintivamente as mãos, a fim de proteger os olhos. O vento enfunou-lhe o manto e o ergueu bem por cima da cabeça, deixando-o tão nu quanto uma banana descascada, bem diante da Catedral de Lhasa.

Pedras e gravetos esvoaçavam pela rua, em nossa direção, machucando-nos as pernas e, às vezes, tirando-nos sangue. O céu enegreceu-se mais, tornando-se escuro como a noite. Empurrando Timon à frente, lutando com o manto esvoaçante que se lhe batia ao redor da cabeça entramos cambaleando no Santuário do Lugar Sagrado. Lá dentro havia paz, paz profunda, paz tranqüilizante. Há uns mil e trezentos anos que ali vinham as pessoas piedosas fazer as suas devoções. Até mesmo o material com que o Santuário fora construído tresandava santidade. O chão de pedras fora marcado e alisado por gerações sucessivas de peregrinos. O ar dava a impressão de coisa viva, tanto incenso fora queimado ali, no decorrer dos tempos, que parecia ter deixado o lugar com uma vida senciente.

Colunas enegrecidas pela idade, vigas nas mesmas condições, apresentavam-se em meio ao crepúsculo perpétuo. O fulgor opaco do ouro, refletindo a luz de lâmpadas de manteiga e velas, de pouco adiantava para diminuir a penumbra. As chamas pequeninas a tremeluzir transformavam as sombras das Figuras Sagradas, fazendo-as empreender uma dança grotesca nas paredes do Templo. Ali, o deus fazia pirueta com a deusa num jogo incessante de luz e sombra, enquanto a procissão infinda de peregrinos piedosos passava pelas lâmpadas. Pontos minúsculos de luz, de todas as cores, vinham de grandes montes de jóias. Diamantes, topázios, berilos, rubis e jade emitiam a luz de sua natureza, formando um padrão sempre mutável, um caleidoscópio de cores.

Grandes redes abertas, de ferro, com espaços pequenos demais para permitirem a passagem de uma mão, guardavam as jóias e ouro contra aqueles cuja cupidez sobrepujava a correção. Ali e acolá, no crepúsculo brilhante por trás da cortina de ferro, havia pares de olhos vermelhos luzindo, prova de que os gatos do Templo estavam sempre alertas. Incorruptíveis, insubornáveis, sem temerem homem ou fera, andavam em silêncio, sobre patas de veludo. Mas aqueles pés macios ocultavam garras afiadas como navalhas, caso sua ira fosse despertada. Animais de inteligência insuperável, bastava-lhes olhar a pessoa para conhecer-lhe a intenção. Um gesto suspeito em direção às jóias que guardavam, e eles se tornariam demônios encarnados; trabalhando em grupos de dois, um deles saltava à garganta do candidato a ladrão, enquanto o outro se penduraria ao braço direito do mesmo. Apenas a morte os faria soltar a presa, a menos que os monges auxiliares chegassem depressa…!

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Para mim, ou outros como eu, que os amavam, os gatos ronronavam e se rolavam no chão, permitindo-nos brincar com as jóias de valor inestimável. Brincar, mas não levar. Todos negros, com olhos azuis vívidos e que brilhavam com a cor de sangue à luz refletida, eram conhecidos em outros países como gatos “siameses”. Ali, no Tibete gelado, eram todos negros. Nos países tropicais, ao que eu fora informado, eram todos brancos. Andamos por ali, apresentando nossos respeitos às Imagens Douradas. Lá fora, a tempestade rugia e esbravejava, fazendo voar todos os objetos que se achassem soltos e tornando perigosa a passagem de viajantes incautos, forçados por assuntos urgentes a estarem nas estradas varridas pelo vento. Ali, onde nos encontrávamos, no Templo, tudo era tranqüilidade, a não ser pelo arrastar semi-silencioso de pés, enquanto os numerosos peregrinos faziam seus circuitos, e pela “clackchack” das Rodas de Oração, sempre a girar. Nós, porém, não as ouvíamos.

Dia após dia, noite após noite, as Rodas giravam e com seu “clack-chack, clack-chack, clack-chack” até se tornarem parte de nossa existência. Não as ouvíamos, assim como não ouvíamos as batidas de nosso próprio coração ou nossa própria respiração. Havia, entretanto, outro som. Um “purr-purr” áspero e arquejante, bem como o tilintar da cortina de metal, enquanto um velho gato enfiava a cabeça na mesma, para fazer-me lembrar que éramos velhos amigos. Sem maior atenção, enfiei os dedos por ali, afagandolhe a cabeça. Com gentileza, ele “mordeu” meus
dedos em saudação e depois, com a língua velha e áspera, quase me arrancou a pele, com o fervor de suas lambidas! Houve algum movimento suspeito mais além do Templo, e ele — como um relâmpago — partiu para proteger “sua” propriedade.

—Que bom, se tivéssemos olhado as lojas! — insistiu Timon.

—Seu estúpido! — sussurrou Yulgye. — Você sabe que elas estão fechadas durante as tempestades.

—Silêncio, meninos! — disse um Inspetor de ar feroz, saindo das sombras e dirigindo-se a nós, desferindo um golpe que pos o pobre Timon fora de equilíbrio, fazendo-o espraiar-se no chão. Um monge próximo fitou a cena, com ar de desaprovação, fazendo sua Roda de Orações girar furiosamente. O grande Inspetor, criatura com mais de dois metros de altura, aproximara-se de nós, parecendo uma montanha humana, e chiou, entre os dentes:

—Se vocês, meninos, fizerem um só barulhinho… eu os estraçalharei com as mãos e jogarei os pedaços para os cachorros, lá fora. Agora, silêncio! Com uma última careta de raiva em nossa direção, voltou-se e desapareceu nas sombras. Com cuidado, receando até o farfalhar de seu manto, Timon se pos em pé. Descalçando as sandálias, seguimos nas pontas dos pés para a parta. Lá fora, a tempestade continuava rugindo; dos pináculos das montanhas, pendões de neve estonteantemente branca se desprendiam. Dos pontos inferiores, da Pótala e de Chakpori, faixas negras de poeira e pedras esvoaçavam. Pelo Caminho Sagrado, grandes colunas de poeira se dirigiam para a Cidade.

O vento uivava, gemia, como se os próprios demônios houvessem enlouquecido e estivessem executando uma cacofonia demente, sem motivo ou razão. Segurando-nos uns aos outros, arrastamo-nos para o sul, dando a volta ao Jo Kang, procurando o abrigo de um vão de parede, parte traseira do edifício do Conselho. A torrente de ar turbulento ameaçava erguer-nos do chão, atirando-nos contra a parede do Convento Tsang Kung. Estremecíamos diante dessa possibilidade, e continuamos em busca de abrigo. Atingindo nosso objetivo, apoiamo-nos, a respiração voltando em grandes soluços devido aos esforços que havíamos feito.

—Xxxxx! — disse Timon. — Eu bem queria pôr um feitiço contra aquele Inspetor xxxxx! O teu Honrado Guia podia fazer isso, Lobsang. Talvez tu o convenças a transformar aquele xxxxx em um porco, — aduziu, cheio de esperança. Em resposta, sacudi a cabeça e disse:

—Tenho a certeza de que ele não o faria, pois o Lama Mingyar Dondup jamais faz mal a qualquer criatura, homem ou animal. Ainda assim, seria mesmo bom transformar o Inspetor em alguma outra coisa. Ele foi um abusado!

A tempestade amainava. O uivo do vento ao redor dos beirais tornava-se menos agudo, as pedras antes carregadas pelo vento caíam pelas estradas, estralejavam nos telhados. Tampouco a poeira penetrava em nossos mantos como antes. O Tibete é um país alto e exposto ao clima. Os ventos se formavam por três das cordilheiras e seguiam em fúria pelos passos montanhosos, sendo freqüente atirarem os viajantes à morte, nos fundos das ravinas. Lufadas violentas estrugiam nos corredores de lamaserias, limpando-os completamente, arredando toda a poeira e lixo, antes de entrarem em uivo pelo vale, indo ter às faixas abertas mais além. O clamor e tumulto haviam cessado. A última das nuvens de tempestade voava no céu, deixando a vasta abóbada celeste purpúrea e límpida. O brilho forte do sol nos iluminava, estonteando-nos após a penumbra e escuridão da tempestade. Com rangidos, portas se abriam cautelosamente, surgiam cabeças, avaliava-se o estrago ocorrido no dia.

A pobre e velha Sra. Raks, perto de cuja casa nos encontrávamos, tivera as janelas dianteiras empurradas para dentro, pelo vento, e as traseiras empurradas para fora. No Tibete, as janelas são feitas de papel oleado e grosso; oleado para que se possa, forçando um pouco a vista, olhar para fora. O vidro é muito raro em Lhasa, e o papel, feito dos abundantes salgueiros e juncos, é barato. Partimos para casa — Chakpori — parando sempre que alguma coisa interessante nos atraía a atenção.

—Lobsang! — disse Timon. — Olhe, as lojas vão abrir agora! Vamos, não vai levar muito tempo! Assim dizendo, voltou-se para a direita, em passos muito mais rápidos. Yulgye e eu o acompanhamos, com a menor das relutâncias. Chegados à Rua das Lojas, olhamos ao redor. Que maravilhas havia ali! O cheiro onipresente do chá, muitos tipos de incenso vindos da Índia e da China. Joalheria, coisas que haviam vindo da Alemanha distante, e que para nós eram tão estranhas que nem sequer tinham significado. Mais adiante, chegamos a uma loja onde vendiam doces, coisas pegajosas sobre pauzinhos, bolos cobertos de açúcar branco e colorido. Olhávamos, e ansiávamos; como pobres chelas, não tínhamos dinheiro com que comprar coisa alguma, mas podíamos olhar de graça. Yulgye cutucou meu braço e cochichou:

—Lobsang, aquele camarada grandão não é o tal Tzu, que já tomou conta de ti? Voltei-me, olhando na direção que ele apontava. Sim! Era Tzu, não havia dúvida. Tzu que me ensinara tanto, que fora tão duro comigo. Instintivamente, dei um passo à frente, sorrindo para ele.

—Tzu! — disse eu. — Eu sou… Ele fez uma careta para mim, e rosnou:

—Afastem-se, meninos, não atrapalhem um cidadão honesto que está trabalhando para seu senhor. De mim não conseguem dinheiro algum. Dito isso, voltou-se abruptamente, afastando-se dali. Senti que meus olhos ficavam quentes, e tive o receio de que ia cobrir-me de ridículo, diante de meus amigos. Não, eu não podia dar-me ao luxo das lágrimas, mas Tzu me ignorara, fingira não me conhecer. Tzu, que me ensinara desde o nascimento! Eu pensava como ele procurara ensinar-me a montar em meu pônei Nakkim, como me ensinara a lutar. Agora, ele me repudiara — ele me desdenhara. Baixei a cabeça, desconsolado, arrastei o pé na poeira. Perto de mim, meus dois companheiros se mantinham silenciosos, embaraçados, sentindo-se como eu, achando que também tinham sido menosprezados. Um movimento repentino atraiu-me a atenção e um indiano idoso e barbudo, usando turbante, veio devagar em minha direção.

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—Jovem senhor! — disse, em seu tibetano de sotaque singular. — Eu vi tudo, mas não pense mal daquele homem. Alguns de nós esqueceram a infância. Eu não esqueci. Venha comigo. Seguiu à frente para a loja, que havíamos admirado.

—Estes jovens podem apanhar o que quiserem, — disse ao lojista. Timidamente, cada um de nós apanhou uma daquelas coisas pegajosas e lindas, fazendo mesura de reconhecimento do indiano.

—Não! Não\ — exclamou ele. — Um não basta, tirem outro, vocês todos. Nós o fizemos, e ele pagou ao lojista sorridente.

—Senhor! — disse eu, em tom fervoroso. — Que a Bênção de Budha esteja convosco, e vos proteja; que vossas alegrias sejam muitas! Ele sorriu para nós, com expressão benigna, inclinou-se ligeiramente e se voltou, para dar prosseguimento ao que fazia. Devagar, voltamos para casa, comendo lentamente os doces, para que durassem o mais possível. Tínhamos quase esquecida o sabor daquelas coisas. Aqueles eram mais saborosos do que a maioria, porque haviam sido dados com tão bons sentimentos. Eu refletia, enquanto andávamos, que fora primeiramente o meu Pai que me ignorara, na escadaria da Potala, e agora Tzu o fizera. Yulgye quebrou o silêncio:

—É um mundo engraçado, Lobsang, agora que somos meninos, eles nos ignoram e desdenham. Quando formos lamas, os Cabeças-Negras virão correndo, procurando nossos favores! No Tibete, os leigos são designados como “Cabeças-Negras”, porque têm cabelos sobre as mesmas; os monges, naturalmente, as têm raspadas. Aquela noite, no culto, mostrei-me muito atento; decidi trabalhar com tal afinco que me tornaria um lama o mais cedo possível, e depois andaria em meio àqueles “Cabeças-Negras” desdenhando-os quando procurassem meus serviços. Estava tão atento, na verdade, que atraí a atenção de um Inspetor.

Ele me fitou, repleto de desconfiança, achando que tal devoção em mim era coisa inteiramente inatural! Assim que o culto terminou, fui apressadamente para meu alojamento, pois sabia que teria um dia ocupado com o Lama Mingyar Dondup, a partir do amanhecer. Por algum tempo, não consegui dormir. Revirei-me, pensando no passado e nas agruras que atravessara. De manhã, levantei-me, fiz o desjejum e estava a ponto de seguir para os Alojamentos dos Lamas. Ia saindo do quarto, quando um monge corpulento, com um manto esfarrapado, segurou-me .

—Ei, você! — disse. — Você vai trabalhar na cozinha, esta manhã… e limpar as mós, também!

—Mas, Senhor! — repliquei. — Meu guia, o Lama Mingyar Dondup, quer minha presença. Procurei passar por ele.

—Não, você vem comigo. Não importa quem deseja sua companhia, eu estou dizendo que você vai trabalhar na cozinha. Agarrou-me o braço e o torceu, de modo que não pudesse fugir. Com relutância, fui com ele, pois não havia alternativa. No Tibete, todos nós trabalhamos periodicamente em serviço braçal, realmente braçal. “Ensina humildade!” dizem uns. “Impede que um menino se ache importante demais!” dizem outros. “Elimina as distinções de classe!” — afirmam ainda outros. Meninos — e monges — trabalham em qualquer tarefa que lhes seja destinada, puramente como medida disciplinar. Havia, naturalmente, um quadro doméstico de monges de grau inferior, mas os meninos e monges de todos os graus tinham de comparecer às tarefas mais baixas e desagradáveis, como preparo. Nós odiávamos isso, pois os “titulares” — todos eles homens inferiores — tratavam-nos como escravos, sabendo muito bem que não nos podíamos queixar. Queixar-nos? A coisa visava a ser bem dura! Seguimos pelo corredor de pedra, descendo os degraus feitos de duas pranchas de madeira, com barras cruzadas, chegando às grandes cozinhas,onde eu sofrera uma queimadura tão séria na perna.

—Pronto! — disse o monge, que me segurava. — Levante-se e limpe os sulcos nas pedras. Apanhando uma ponteira aguda de metal, subi em uma das grandes rodas de moagem de cevada, e me pus industriosamente a cavar os detritos aninhados naquelas ranhuras. Aquela pedra fora negligenciada e agora, ao invés de moer, servia apenas para estragar a cevada. Minha tarefa era a de “preparar” a superfície, de modo que ficasse novamente aguda e limpa. O monge permanecia por ali, limpando ociosamente os dentes.

—Ei! — gritou uma voz, vinda da entrada. — TerçaFeira Lobsang Rampa! O Terça-Feira Lobsang Rampa está aqui? O Honrado Lama Mingyar Dondup quer vê-lo imediatamente. Instintivamente, fiquei em pé e saltei da pedra.

—Aqui estou! — gritei. O monge cerrou o punho, desferindo um murro em cima da cabeça e derrubando-me ao chão. 

—Eu digo que você fica aqui, e fará o seu trabalho, — resmungou. — Se alguém quiser vê-lo, que venha buscá-lo pessoalmente. Apanhando-me pelo pescoço, ergueu-me e me atirou sobre a pedra. Bati com a cabeça em um canto e todas as estrelas do céu eclodiram em minha consciência, antes de esmaecerem e deixarem o mundo vazio e escuro. Foi estranho, mas tive a sensação de que era erguido — erguido horizontalmente — e depois me punha em pé. Em algum lugar, um gongo enorme, de som profundo, marcava os segundos da vida, fazendo “bong-bong-bong” e com uma batida final achei que tinha sido atingido por um relâmpago azul. Naquele instante o mundo se tornou muito claro, brilhante, com uma espécie de luz amarelada, na qual eu podia ver com mais clareza do que o normal. “Oh” disse a mim mesmo, “estou, então, fora de meu corpo! Oh! Que aspecto estranho eu tenho!”

Tinha eu muita experiência em matéria de viagem no astral, e eu já fora muito além dos confins deste velho planeta nosso, viajando também a muitas das maiores cidades deste globo. Agora, porém, ocorria minha primeira experiência de ser “arrancado do corpo”. Estava em pé, diante da grande mó, fitando com desagrado considerável a figurinha de manto rasgado, caída na pedra. Eu a fitava, sentindo apenas interesse efêmero ao observar como meu corpo astral se prendia àquela figura surrada por um cordão branco-azulado, que ondulava e pulsava, brilhando com intensidade e esmaecendo, brilhando e esmaecendo sem cessar. Depois fitei mais de perto meu corpo, sobre aquela laje, ficando assustado com o grande ferimento na têmpora esquerda, da qual jorrava sangue vermelho-escuro, sangue que se entranhava nas ranhuras da pedra, misturando-se de modo inextricável com os detritos até então não retirados.

Uma agitação repentina chamou-me a atenção e, ao me voltar, vi meu guia, o Lama Mingyar Dondup, entrando na cozinha, o rosto pálido de raiva. Adiantou-se e parou bem diante do monge chefe da cozinha — o monge que me tratara tão mal. Nenhuma palavra foi dita, palavra alguma, na verdade, houve um silêncio abafado e mortal. Os olhos penetrantes de meu guia pareceram relampejar para o monge-cozinheiro e, com um suspiro idêntico ao de um balão perfurado, ele caiu, tornando-se uma massa inerte no chão de pedra. Sem lhe dedicar um segundo olhar, meu guia afastou-se, voltou-se para minha figura terrena ali estendida, respirando de modo estertorante sobre aquela roda de pedra. Olhei ao redor, verdadeiramente fascinado em pensar que conseguiria, agora, sair de meu corpo para distâncias curtas. Efetuar “viagens distantes” no plano astral não era nada, eu sempre o soubera fazer, mas aquela sensação de sair de mim mesmo e fitar minha casca terrena de argila era uma experiência nova e empolgante.

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Desligando a atenção dos acontecimentos a meu redor, por momentos, deixei-me flutuar — flutuar, passando pelo teto da cozinha. “Puxa!” disse, involuntariamente, ao passar pelo teto de pedra, indo ter à câmara acima. Ali estavam sentados diversos lamas, em contemplação profunda. Notei, com algum interesse, que tinham uma espécie de modelo do mundo à frente, uma bola sobre a qual se achavam indicados os continentes, as terras, oceanos e mares, e que a bola se achava fixa com certa inclinação, inclinação correspondente à da própria Terra no espaço. Não me demorei ali, pois aquilo se assemelhava demasiadamente a trabalho escolar, e prossegui em viagem para cima. Passando por outro teto, e depois outro, depois outro, cheguei à Sala dos Túmulos! Ao redor, estavam as paredes grandes e douradas que sustentavam os túmulos das Encarnações do Dalai Lama, nos séculos anteriores.

Ali fiquei, em contemplação reverente, por alguns momentos, deixando-me depois flutuar para cima, mais para cima, de modo que finalmente, lá embaixo, vi aquela Potala gloriosa, com todo o seu ouro refulgente, todo o seu escarlate e carmesim e com as paredes brancas e formidandas que pareciam fundir-se com a rocha viva da própria montanha. Voltando o olhar de leve para a direita notei a Aldeia de Shö e mais além a cidade de Lhasa, com as montanhas azuis ao fundo. Ao erguer-me mais, no espaço, podia divisar as imensidões de nossa terra bela e agradável, terra que podia mostrar-se dura e cruel devido aos caprichos do clima imprevisível mas que, para mim, era minha pátria! Um puxão de vigor notável chamou-se a atenção, e verifiquei que estava sendo puxado, assim como eu puxara, muitas vezes, de volta, algum papagaio esvoaçando no céu. Eu descia sempre e sempre, chegava à Potala, atravessava soalhos que se tornavam tetos, até alcançar finalmente meu destino, pondo-me de novo ao lado de meu próprio corpo na cozinha.

O Lama Mingyar Dondup estava banhando com gentileza minha têmpora esquerda — tirando pedaços da mesma. “Ora, essa!” — disse eu para mim mesmo, em espanto profundo. “Minha cabeça é tão grossa que se rachou, ou rachou a pedra?” Em seguida, vi que estava com uma pequena fratura, e notei também que boa parte do material retirado de minha cabeça eram detritos — fragmentos —, pedaços de pedra e resíduos de cevada moída. Observava aquilo com interesse e, devo confessar, certo divertimento, pois em pé ali, ao lado do corpo carnal, em meu corpo astral, não sentia dor, nem incômodo algum, apenas paz. O Lama Mingyar Dondup terminou finalmente seu trabalho e pôs uma tira de substância herbácea comprimida em minha cabeça, atando-a com fitas de seda. Depois, fazendo sinal a dois monges que esperavam, com uma maca, disse-lhes que me erguessem com cuidado.

Os homens — monges de minha própria Ordem — ergueram-me com suavidade, depositando-me na maca e, com o Lama Mingyar Dondup andando ao lado, fui levado dali. Olhei ao redor com espanto considerável, pois a luz esmaecia. Eu estivera assim por tanto tempo que o dia já terminava? Antes que pudesse responder, verifiquei que eu também esmaecia, o amarelo e o azul da luz espiritual diminuíam em intensidade, eu era tomado por um desejo completamente esmagador e imperioso de descansar — dormir, sem me preocupar mais com coisa alguma. Por algum tempo, não tive consciência e, depois, pela minha cabeça passaram dores horríveis, dores que me faziam ver vermelhos e azuis e verdes e amarelos, dores que me levavam a pensar que eu ia enlouquecer com um sofrimento tão intenso. Senti uma mão fresca em minha cabeça, e uma voz suave disse:

— Tudo está bem, Lobsang. Tudo está bem, descanse, descanse, durma! O mundo pareceu tornar-se um travesseiro escuro e fofo, tão macio quanto a penugem de cisnes, e nele mergulhei satisfeito, em paz; o travesseiro pareceu envolver-me, de modo que eu não tomava mais conhecimento de coisa alguma, não existia, e mais uma vez minha alma vagou pelo espaço, enquanto na terra o corpo surrado continuava descansando. Devem ter transcorrido muitas horas, quando voltei à consciência. Despertei e encontrei o meu guia sentado ao lado, tendo minhas mãos nas suas. Quando minhas pálpebras se abriram e a luz do anoitecer entrou, sorri debilmente, e ele sorriu em resposta, retirando as mãos. De uma mesinha ao lado, trouxe uma chávena com alguma bebida de cheiro doce. Levando-a a meus lábios com suavidade, ordenou:

—Beba isto, que lhe fará bem! Bebi, e a vida irrompeu outra vez em meu corpo, a tal ponto que procurei sentar-me. O esforço foi demasiado, e caí como se fora atingido mais uma vez na cabeça, com força, vi luzes vívidas, constelações de luzes, e logo desisti de tais esforços. As sombras da noite se alongavam, de baixo veio o som emudecido das conchas, e eu sabia que o culto estava a ponto de começar. Meu guia, o Lama Mingyar Dondup, disse:

—Tenho de ir por meia hora, Lobsang, porque O Mais Precioso quer minha presença, mas seus amigos Timon e Yulgye estão aqui, para cuidar de você em minha ausência, e chamar-me, se for preciso. Dito isso, apertou-me as mãos, pôs-se em pé e deixou o quarto. Dois rostos conhecidos apareceram, entre assustados e inteiramente animados. Eles se acocoraram à meu lado, e Timon disse:

—Oh, Lobsang! O Chefe da Cozinha pagou por tudo isso!

—Sim — disse o outro —, ele está sendo expulso da Lamaseria, por brutalidade extrema e desnecessária. Está saindo agora, e saindo escoltado! Eles borbulhavam de animação, e Timon disse outra vez:

—Pensei que tinhas morrido, Lobsang, tu realmente sangraste como um iaque recheado! Fui forçado a sorrir, enquanto os olhava, e as vozes dos amigos mostravam como ficavam emocionados diante, de qualquer acontecimento animado que viesse contrastar com a monotonia da vida em uma lamaseria. Não sentia rancor por eles, devido à animação que demonstravam, sabendo que também eu ficaria animado se a vítima fosse outro. Sorri para eles, e fui tomado por um cansaço opressivo. Fechei os olhos, pretendendo descansá-los por momentos, e mais uma vez perdi noção de tudo. Por diversos dias, talvez sete ou oito ao todo, descansei deitado de costas e o meu guia, o Lama Mingyar Dondup, foi meu enfermeiro. Não fosse por ele, eu não teria sobrevivido, pois a vida em uma lamaseria não é obrigatoriamente gentil ou bondosa, é realmente a sobrevivência dos mais aptos.

O lama era um homem bondoso, um homem amoroso, mas ainda que ele não o fosse, existiria o maior dos motivos para que eu continuasse vivo. Eu, como disse antes, tinha uma tarefa especial a executar na vida, e supunha que as agruras pelas quais passava, como menino, destinavam-se de algum modo a me fortalecer, tornar-me imune às vicissitudes e ao sofrimento, pois todas as profecias que eu ouvira — e foram em bom número! — tinham indicado que minha vida seria uma vida de pesar, uma vida de sofrimento. Não era apenas sofrimento, porém, à medida que meu estado melhorava, surgiam mais oportunidades de conversar com meu guia. Falamos de muitas coisas, tratamos de assuntos comuns e também de assuntos que eram dos mais incomuns. Examinamos extensamente diversos temas ocultos, e eu me lembro de ter dito, em certa ocasião:

—Deve ser uma coisa maravilhosa, Honrado Lama, ser bibliotecário e possuir todo o conhecimento do mundo. Eu seria um bibliotecário, se não fossem essas profecias terríveis quanto ao meu futuro. O meu guia sorria para mim.

—Os chineses têm um dito: “Um quadro vale mil palavras”, Lobsang, mas eu digo que não há quantidade por maior que seja de leitura nem de contemplação de quadros que possa substituir a experiência, a prática e o conhecimento.

Olhei para ele, para ver se falava sério, e depois pensei no monge japonês, Kenji Tekeuchi, que durante quase setenta anos estudara a palavra impressa e deixara de praticar ou absorver qualquer coisa do que lera. Meu guia lia meus pensamentos.

—Sim! — disse. — O velho não é um ser mental. Conseguiu uma indigestão mental, lendo tudo, tudo, e o fez sem absorver coisa alguma. Julga ser um grande homem, um homem de espiritualidade inexcedível. Ao invés disso, é um pobre velho pateta, que não engana pessoa alguma, tanto quanto a si próprio. O lama suspirou, com tristeza, e acrescentou: —Ele está espiritualmente falido, sabendo tudo, mas sem saber coisa alguma. A leitura insensata, indiscriminada e mal orientada de tudo quanto nos vem às mãos é perigosa. Esse homem seguiu todas as grandes religiões e, embora sem compreender nenhuma delas acreditou ser o maior homem espiritual de todas.

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—Honrado Lama! — disse eu. — Se é tão pernicioso ter livros, para que existem livros? Meu guia fitou-me por momentos, com semblante inexpressivo. (“Ha!” Pensei, “A resposta para essa, ele não conhece!”) E ele voltou a sorrir, dizendo:

—Mas, meu caro Lobsang, a resposta é tão clara! Leia, leia e continue lendo, mas jamais permita que qualquer livro se sobreponha ao seu discernimento. Um livro se destina a ensinar, instruir ou mesmo divertir. Um livro não é um mestre a ser seguido cegamente e sem razão. Nenhuma pessoa dotada de inteligência deve deixar-se escravizar por um livro, ou pelas palavras de outra pessoa. Eu me reclinei, assentindo. Sim, isso fazia sentido. Mas, então, para que preocupar-se com livros? —Livros, Lobsang? — disse meu guia, em resposta à indagação.

— É claro que deve haver livros! As bibliotecas do mundo contêm a maior parte do conhecimento, mas somente um idiota diria que a humanidade seja escrava dos livros. Eles existem apenas como guia para a humanidade, para consulta, para uso. É um fato fora de dúvida que os livros mal utilizados podem ser uma maldição, pois levam um homem a julgar ser superior ao que é, e assim o levam a caminhos tortuosos na vida sem que ele tenha o conhecimento ou a lucidez para seguir esses caminhos até o fim.

—Bem, Honrado Lama — voltei a perguntar —, quais são as utilizações dos livros? Meu guia fitou-me com dureza e respondeu:,

—Você não pode ir a todos os lugares do mundo e estudar com os maiores Mestres do mundo, mas a palavra escrita… os livros… podem trazer-lhe os ensinamentos deles. Você não precisa acreditar em tudo que lê, nem os grandes escritores dizem que você o deva fazer, pois você deve utilizar seu próprio raciocínio, e utilizar as palavras de sabedoria deles como indicadoras do que devam ser as suas palavras de sabedoria. Posso assegurar-lhe que uma pessoa ainda não capaz de estudar um assunto pode prejudicar-se imensamente, apanhando um livro e… por assim dizer… procurando erguer-se acima de sua posição cármica, estudando as palavras e obras dos outros. Pode ocorrer que o leitor seja homem de desenvolvimento evolucionário baixo e, nesse caso, ao estudar as coisas que na atualidade não sejam para ele, venha a embotar, ao invés de favorecer, seu desenvolvimento espiritual. Conheci muitos casos assim, e nosso amigo japonês é apenas um deles. Meu guia tocou a sineta pedindo chá, suplemento dos mais necessários a todas as nossas conversas! Quando o chá foi trazido pelo monge-ajudante, retomamos a palestra, e meu guia disse:

—Lobsang! Você vai levar uma vida das mais incomuns, e para esse fim o seu desenvolvimento está sendo forçado, seus poderes telepáticos aumentados por todos os métodos de que disponhamos. Vou dizer-lhe, agora, que em questão de poucos meses você vai estudar por telepatia ligada à clarividência, alguns dos maiores livros do mundo… algumas das obras-primas literárias do mundo, e vai estudá-las a despeito da falta de conhecimento da língua em que foram escritas. Receio ter ficado boquiaberto de espanto, pois como poderia estudar um livro escrito em língua que não compreendia? Tratava-se de coisa que me intrigava, mas logo recebi uma resposta:

—Quando seus poderes de telepatia e clarividência forem um pouco mais aguçados… como serão… você poderá recolher todos os pensamentos de um livro, através de pessoas que recentemente; leram o mesmo ou se acham empenhadas nessa leitura. Esta é uma das utilizações menos conhecida da telepatia que, naturalmente, tem em tais casos de estar aliada à clarividência. As pessoas em outras partes do mundo nem sempre têm acesso a uma biblioteca pública, ou a uma das bibliotecas principais de um país; elas podem passar pela porta, mas a menos que provem ser estudantes genuínos à procura do conhecimento, não as deixam entrar. Esse impedimento não será imposto a você, que poderá viajar no astral e estudar, e isso o ajudará durante todos os dias de sua vida, e na época em que passar para além dela. Falou-me, então, das utilizações do ocultismo. O mau emprego do poder oculto, ou o domínio de outra pessoa por meios ocultos, provocava um castigo realmente terrível. Os poderes esotéricos, os poderes metafísicos e as percepções extrasensoriais deveriam ser utilizados apenas para o bem, apenas a serviço dos outros, apenas para aumentar a soma total de conhecimento contida no mundo.

—Mas, Honrado Lama! — disse eu, aflito. — Que me diz das pessoas que saem de seus corpos, com animação ou interesse, o que me diz quando elas saem dos corpos e quase morrem de susto? Não se pode fazer algo para preveni-las? Meu guia sorriu com bastante tristeza, ao dizer:

—É verdade, Lobsang, que muitas, muitas pessoas lêem livros e fazem experiências, sem disporem de um mestre adequado. Muitas pessoas saem de si, quer mediante a bebida ou superexcitação, ou entregando-se demasiadamente a algo que não serve para o espírito, e depois entram em pânico. Há um modo pelo qual você pode ajudar, e está em, por toda Sua vida, advertir aqueles que indagam, dizendo-lhes que a única coisa a recear, nas questões ocultas, é o medo. O medo permite que pensamentos indesejáveis, entidades indesejáveis, entrem! e se apoderem do controle da pessoa, assenhoreiem-se da pessoa e você, Lobsang, deve repetir sempre que nada há a recear, senão o próprio medo. Ao expulsar o medo, você fortalece a humanidade e torna mais pura essa humanidade. É o medo que causa as guerras, é o medo que cria a dissensão no mundo, é o medo que joga o homem contra outro. O medo, e apenas o medo, é o inimigo, e se o expulsarmos de uma vez por todas, nesse caso… creia em mim… não há mais coisa alguma que precise ser temida. Medo? Que queriam dizer todas aquelas palavras sobre o medo? Fitei meu guia e creio que ele tenha notado a pergunta impronunciada em meus olhos. Talvez lesse meus pensamentos, telepáticamente, mas o fato é que disse, de repente:

—Você, então, está pensando sobre o medo? Bem, você é jovem e inocente! Eu pensava: “Oh! Não tão inocente quanto ele pensa!” O lama sorriu, como a saborear essa piada — embora, naturalmente, eu não houvesse pronunciado uma só palavra — e afirmou:

—O medo é uma coisa muito verdadeira, uma coisa tangível, e você terá ouvido falar daqueles que estão viciados com o espírito… que se tornam embriagados. São homens que vêem criaturas notáveis. Alguns desses beberrões afirmam ver grandes elefantes com listras roxas, ou criaturas ainda mais bizarras. Posso dizer-lhe, Lobsang, que as criaturas vistas por eles… e a que chamam invenções de sua imaginação… são criaturas verdadeiras, sem dúvida.

Eu ainda não estava muito claro quanto a essa questão do medo. Sabia, naturalmente, o que era o medo, no sentido físico. Pensava no dia em que tivera de ficar imóvel, do lado de fora da Lamaseria de Chakpori, para submeter-me à prova de resistência, antes de me permitirem entrar e ser aceito como o mais humilde, dos humildes chelas. Voltei-me para meu guia dizendo:

—Honrado Lama, o que é todo esse medo? Conversando, ouvi falar das criaturas do astral mais baixo, mas eu mesmo, em todas minhas viagens no astral, nunca encontrei coisa alguma que me causasse medo algum. O que é esse medo? Meu guia permaneceu imóvel por momentos e depois, como se chegasse a uma decisão repentina, ficou rapidamente em pé e disse:

—Venha! Eu também me levantei, e seguimos por um corredor de pedras, entrando à direita, depois à esquerda, e novamente à direita. Prosseguindo em nossa jornada, chegamos finalmente a uma sala onde não havia luz. Era como entrar em uma poça de negrume, e meu guia seguiu primeiro, acendendo uma lâmpada de manteiga já pronta ao lado da porta e depois, fazendo-me um gesto para que me deitasse, disse:

—Você tem idade suficiente para conhecer as entidades do astral inferior. Estou preparado para ajudá-lo a ver essas criaturas, e providenciar para que nenhum mal lhe aconteça, pois elas não devem ser conhecidas, a menos que a pessoa esteja adequadamente preparada e protegida. Vou apagar esta luz, e você descanse em paz, deixando-se flutuar, sair do corpo… deixe-se flutuar para onde quiser, sem destino, sem intenção… apenas flutuar e vagar, como a brisa.

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Dito isso, apagou a lâmpada e não havia qualquer vislumbre de luz naquele lugar, quando fechou a porta. Eu nem sequer conseguia perceber-lhe a respiração, mas sentia sua presença cálida e reconfortante perto de mim. A viagem astral não era experiência nova, pois eu nascera com a capacidade de efetuá-la e de lembrar-me sempre de tudo. Agora, estendido no chão, tendo a cabeça apoiada em parte de meu manto que enrolara, entrelacei os dedos e pus os pés juntos, pensando no processo de deixar o corpo, o processo que é tão simples para quem o conhece. Logo senti a sacudidela suave que indica a separação do veículo astral do físico, e com esse solavanco veio uma torrente de luz. Eu parecia estar flutuando na extremidade de meu Cordão de Prata. Lá embaixo, imperava a escuridão mais completa; a escuridão da sala que acabara de deixar, e na qual não havia um só vislumbre de luz.

Olhei ao redor, mas aquilo não era diferente em coisa alguma das viagens normais que eu empreendera antes. Pensei em erguer-se acima da Montanha de Ferro, e bastou o pensamento para não mais estar naquela sala, mas pairando sobre a Montanha, a uns cem metros de altura, mais ou menos. De repente, eu já não percebia a Potala, não percebia a Montanha de Ferro, não percebia mais a terra do Tibete, ou o Vale de LHASa. Senti-me cheio de apreensão, meu Cordão de Prata tremeu com violência, e fiquei apavorado ao ver que parte da nebulosidade “azul-prateada” que sempre emanava do Cordão se transformara em um verde-amarelado doentio. Sem qualquer aviso, houve um retorcimento horrível, puxadas terríveis, uma sensação de inimigos enlouquecidos que procuravam puxar-me para baixo. Instintivamente, olhei para lá, e quase desmaiei com o que vi. Ao redor de mim, ou melhor, por baixo, estavam as criaturas mais estranhas e odiosas, tais como as vistas pelos bêbados.

A coisa mais horrível que já vi em minha vida surgiu, ondulante, em minha direção, semelhante a uma lesma imensa, com face humana horrível, mas de cores tais como nenhum ser humano jamais teve. Esse rosto era vermelho, mas o nariz e orelhas verdes, e os olhos pareciam girar dentro de suas órbitas. Havia outras criaturas, também, cada qual parecendo mais horrível e nauseante do que a anterior. Vi criaturas que nenhuma palavra poderia descrever, mas ainda assim elas pareciam ter um traço humano comum de crueldade. Estendiam-se, procuravam apanhar-me — procuravam desligar-me de meu Cordão. Outras estendiam-se para baixo, procurando romper o Cordão, puxando-o. Eu olhava, estremecia e pensei: “Medo! Então, isto é o medo! Bem, estas coisas não me podem ferir, estou imune às suas manifestações, imune à seus ataques!” E ao pensar assim, as entidades desapareceram, não existiam mais.

O Cordão etéreo que me ligava ao corpo físico clareou e os reverteu às suas cores normais; senti-me alegre, livre, e sabia que ao fazer e vencer aquela prova, não voltaria mais a ter medo de coisa alguma que pudesse acontecer, no plano astral. Aquilo servira para me ensinar, de modo conclusivo, que as coisas que tememos não podem ferir-nos, a menos que o permitamos, mediante nosso medo. Um puxão repentino em meu Cordão de Prata atraiu-me a atenção mais uma vez, e eu olhei para baixo sem a menor hesitação, sem a menor sensação ou sentimento de medo. Vi um pequeno brilho de luz, vi que meu guia, o Lama Mingyar Dondup, acendera aquela pequenina e tremulante lâmpada de manteiga, e meu corpo puxava para si o corpo astral. Com suavidade, flutuei e passei pelo telhado do Chakpori, indo até onde me achava em posição horizontal sobre o corpo físico e depois, com imensa suavidade, desci e o astral e o físico se combinaram em um só. O corpo que agora era “eu” contorceu-se de leve, e em me sentei. Meu guia me fitava com um sorriso afetuoso no rosto.

—Andou bem, Lobsang! — disse. — Eu o levei a um grande segredo, um dos maiores, e você se saiu melhor, em sua primeira tentativa, do que eu na minha. Sinto-me orgulhoso de você. Eu ainda estava bastante intrigado quanto àquela coisa de medo, de modo que disse:

—Honrado Lama, o que realmente existe a temer? Meu guia adotou uma expressão séria — até mesmo sombria — enquanto dizia:

—Você tem levado uma vida boa, Lobsang, e nada deve recear. Assim sendo, não sente medo. Mas existem aqueles que cometeram crimes, que fizeram coisas erradas contra outros. Quando se acham a sós, a consciência os perturba muito. As criaturas do astral inferior nutrem-se do medo, alimentam-se daqueles que têm a consciência perturbada. As pessoas criam formas de pensamento más. Talvez, em algum dia no futuro, você consiga ir a uma catedral muito velha, ou templo, que exista há inúmeros anos. Das paredes desse edifício (como o nosso próprio Jo Kang) você perceberá o bem que ocorreu dentro do mesmo. Depois disso, entretanto, poderá ir repentinamente a uma prisão muito antiga, onde muito sofrimento e muita perseguição ocorreu, e nesse caso será o efeito oposto. Daí segue que os habitantes dos edifícios criam formas de pensamentos que habitam as paredes dos mesmos, tornando-se assim visível que um bom edifício tem boas formas de pensamento que apresentam boas emanações, e lugares maus apresentam maus pensamentos dentro de si, ficando mais uma vez claro que apenas pensamentos maus podem vir de um edifício mau, e esses pensamentos e formas de pensamentos podem ser vistos e tocados por quem seja clarividente enquanto estiver no estado astral. Meu guia pensou por momentos, e depois acrescentou:

—Existem casos, como você perceberá, nos quais os monges e outros imaginam serem maiores do que sua própria realidade, e com isso criam uma forma de pensamento, e com o tempo a mesma vem colorir toda a sua visão. Há um caso do qual me lembro neste instante, em que um velho monge birmanês… criatura notavelmente ignorante, é preciso dizer… era monge de categoria inferior, sem compreensão, mas ainda assim nosso irmão, e de nossa Ordem, pelo que tínhamos de usar de toda a tolerância. Esse monge levava uma vida solitária, como muitos de nós o fazemos, mas ao invés de dedicar o tempo à meditação e contemplação, e às demais coisas do bem, imaginou que era um homem poderoso, na terra da Birmânia. Imaginou não ser um monge inferior, e que mal pusera o pé na Trilha do Esclarecimento. Ao invés disso, na solidão de sua cela, imaginou-se um grande Príncipe, um Príncipe de estados poderosos e grande fortuna. De início, isso foi inofensivo, tratava-se de diversão inofensiva, ainda que inútil. Por certo ninguém o teria condenado por algumas imaginações ociosas de anseio, pois, como digo, ele não tinha o espírito ou o conhecimento para dedicar-se realmente às tarefas espirituais a serem empreendidas.

—Esse homem, com o correr dos anos, sempre que se achava a sós, tornava-se o grandíssimo Príncipe. Isso veio colorir sua visão, afetar-lhe os modos, e com a passagem do tempo o monge humilde pareceu desaparecer, vindo o Príncipe arrogante a tomar seu lugar. Afinal o pobre desgraçado realmente acreditava, com a maior firmeza, ser um Príncipe da Birmânia. Falou com um Abade, um dia, como se o Abade fosse um servo em sua propriedade principesca. O Abade não era criatura tão pacífica quanto alguns de nós, e lamento dizer que o choque de ver o pobre monge transformado em príncipe o desequilibrou, reduzindo-o a um estado de instabilidade mental. Mas você, Lobsang, não precisa preocupar-se com tais coisas; você é estável, bem equilibrado, sem medo. Lembre-se apenas dessas palavras, como advertência: o medo corrói a alma.

—A imaginação vã e inútil leva a pessoa para a trilha errada, de modo que, com a passagem dos anos, essas imaginações se tornam realidade, e as realidades desaparecem da vista, não voltando mais à luz por diversas encarnações. Mantenha-se na Trilha, não permita que anseios ou imaginações aloucadas venham colorir ou destorcer sua visão. Este é o Mundo de Ilusão, mas para aqueles que possam enfrentar tal conhecimento, a ilusão pode ser transformada em realidade, quando estivermos fora deste mundo. Pensei em tudo isso, e devo confessar que já o vira falar sobre aquele monge transformado em príncipe mental, porque lera a esse respeito em algum livro na Biblioteca dos Lamas.

—Honrado Guia! — disse eu. — Quais são as utilizações do poder oculto, então? O lama entrelaçou os dedos e fitou-me diretamente.

—As utilizações do conhecimento oculto? Bem, isto é muito fácil, Lobsang! Temos o direito de ajudar aqueles que mereçam ajuda. Não temos o direito de ajudar aqueles que não querem nossa ajuda, e que ainda não estão prontos para recebê-la. Não utilizamos o poder oculto ou a capacidade oculta para nosso próprio ganho, nem os alugamos, nem aceitamos recompensas. Todo o intuito do poder oculto é acelerar o desenvolvimento da pessoa, acelerar a evolução da pessoa, e ajudar o mundo como um todo, não apenas o mundo dos humanos, mas o mundo da natureza, dos animais… tudo. Fomos mais uma vez interrompidos pelo culto, que tinha início no edifício do Templo perto de nós, e como teria sido desrespeitoso aos Deuses prosseguir uma conversa enquanto os mesmos eram adorados, encerramos a palestra e permanecemos em silêncio, sentados, perto da chama fraca da lâmpada de manteiga, que já se extinguia.


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