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A Caverna dos Antigos (6)

Posted by on 25/02/2021

caverna-dos-antigos-lobsang-rampaEste é um livro que trata do Oculto e dos Poderes do Homem. É livro simples, no sentido de que nele não há “palavras estrangeiras”, palavras em sânscrito, nem coisa alguma de línguas mortas. A pessoa média quer SABER as coisas, e não ficar a adivinhar palavras que o autor médio tampouco compreende!

Se um autor sabe trabalhar, pode escrever, sem ter de disfarçar sua falta de conhecimento com o emprego de uma língua estrangeira. Um número demasiado de pessoas deixa-se envolver pela confusão. As leis da Vida são realmente simples; não há necessidade alguma de revesti-las de cultos místicos ou pseudo-religiões. Tampouco existe qualquer necessidade de que alguém afirme ter tido “revelações divinas”. QUALQUER PESSOA pode obter as mesmas “revelações”, se se esforçar por alcança-las…

Edição e imagens:  Thoth3126@protonmail.ch

T. LOBSANG RAMPA, e o livro “A CAVERNA DOS ANTIGOS

Nenhuma religião tem em si as Chaves do Céu, nem pessoa alguma será condenada para sempre, por ter entrado em uma igreja com o chapéu na cabeça, ao invés de tirar os sapatos. À entrada das lamaserias tibetanas, lê-se a inscrição: “Mil monges, mil religiões”.

lobsang_rampaQualquer que seja nossa crença, se ela englobar o “faze ao próximo o que queres que te seja feito”, teremos êxito, quando soar o Chamamento final. Alguns dizem que o Conhecimento Interior só pode ser obtido ingressando-se neste ou naquele culto, ao mesmo tempo em que se faça o pagamento de uma contribuição substancial.

As Leis da Vida dizem: “Procura e encontrarás”. Este livro é o fruto de toda uma vida, de ensinamentos obtidos nas grandes lamaserias do Tibete e de poderes conquistados por uma observância rigorosa das Leis. Trata-se de conhecimento transmitido pelos Antigos, e se acha inscrito nas Pirâmides do Egito, nos Altos Templos da Cordillheira dos Andes e no maior de todos os repositorios de conhecimentos ocultos do mundo, o Planalto do Tibete – T. LOBSANG RAMPA [Nasceu: Cyril Henry Hoskin-8 April 1910, em Plympton, Devon, United Kingdom – Morte: 25 January 1981 (aged 70) Calgary, Alberta, Canada]


Capítulo 6

O culto matutino terminara e nós, os meninos, seguíamos as pressas para nossa sala de aula, acotovelando-nos e empurrando-nos, no esforço por não sermos o último. Não devido a um grande interesse pela educação, de nossa parte, mas porque o Mestre daquela matéria tinha o hábito horrível de dar uma varada no último que se apresentasse! Eu, alegria das alegrias, consegui ser o primeiro, refestelando-me no brilho da aprovação do sorriso do Mestre. Com impaciência, ele fez sinal aos demais para que se apressassem, de pé à porta e dando pescoções nos que lhe pareciam lentos demais. Finalmente, estávamos todos sentados, de pernas cruzadas, sobre as esteiras estendidas no chão. Como é nosso costume, ficávamos de costas para o Mestre, que constantemente patrulhava por trás, de modo que nunca sabíamos onde ele estava, e assim tínhamos de estudar com afinco.

—Hoje, vamos verificar como todas as religiões são semelhantes, — entoou ele. — Já observamos como a história do Dilúvio é comum a todas as crenças, em todo o mundo. Agora, vamos dedicar atenção ao tema da Virgem Mãe. Até a inteligência mais retardada — disse fitando-me com expressão dura — sabe que nossa Virgem Mãe, a Bem aventurada Dolma, a Virgem Mãe de Misericórdia, corresponde à Virgem Mãe de certas seitas da Fé Católica. Passos apressados se detiveram à entrada da sala. Um monge-mensageiro entrou, fazendo profunda mesura para o Mestre.

— Saudações a ti, Homem Erudito, — murmurou. — O Senhor Lama Mingyar Dondup apresenta seus cumprimentos e pede que Terça-Feira Lobsang Rampa seja dispensado da aula imediatamente… a questão é urgente. O Mestre fez uma careta.

—Menino! — trovejou. — Você é uma amolação, e perturba a turma. Dê o fora! Mais do que depressa, fiquei em pé, fiz mesura para o Mestre, e saí correndo atrás do Mensageiro, também apressado.

—O que é? — perguntei, em arquejo.

—Não sei, — disse ele. — Também estou querendo saber. O Lama Dondup preparou os objetos de cirurgia, e os cavalos também. Prosseguimos em carreira.

—Ah! Lobsang! Você, então, sabe apressar-se! — disse meu guia, rindo, quando chegamos a ele. — Nós vamos à Aldeia de Shö, onde precisam de nossos serviços cirúrgicos. Dito isso, montou em seu cavalo e fez-me sinal para que montasse no meu. Isso era sempre uma operação difícil; os cavalos e eu jamais parecíamos ter os mesmos projetos, quando se tratava de montar. Segui em direção a ele, e a criatura andou de lado, afastando-se de mim. Passei para o outro lado, e dei um salto, depois de correr, antes que o cavalo percebesse o que se passava. Em seguida, procurei imitar os liquens das montanhas, na tenacidade de meu apego à cela. Bufando com resignação exasperada, o animal se voltou sem que fosse preciso comandá-lo, e acompanhou o cavalo de meu guia, descendo a trilha. Aquele animal em que eu estava tinha o hábito horrível de parar nos pontos mais íngremes e olhar pela borda, baixando a cabeça e fazendo uma espécie de bamboleio. Eu acredito firmemente que esse animal fosse dotado de um senso de humor (muito inoportuno!) e percebesse de modo completo o efeito que causava em mim.

Descemos pela trilha e logo passávamos pelo Pargo Kaling, o Portão Ocidental, chegando assim à Aldeia de Shö. Meu guia seguiu à frente pelas ruas, até chegarmos a um edifício grande, que reconheci como sendo a prisão. Guardas saíram de lá correndo, ficando com nossos cavalos. Apanhei as duas bolsas de meu guia, o Lama Mingyar Dondup, e as levei, entrando naquele lugar sombrio. Tratava-se de um lugar desagradável, horrível, eu sentia o cheiro do medo, via as formas de pensamento más, criadas pelos transgressores. Era, por certo, um lugar cuja atmosfera fazia com que meus cabelos ficassem em pé. Acompanhei meu guia, indo ter a uma sala bastante grande. A luz do sol entrava pelas janelas. Bom número de guardas ali se encontrava, e à espera para saudar o Lama Mingyar Dondup estava um Magistrado de Shö. Enquanto conversavam, olhei ao redor. Ali, ao que achei, era onde os criminosos se viam julgados e condenados. Pelas paredes, viam-se registros e livros. Sobre o chão, a um lado, um amontoado que gemia. Olhei em sua direção, e ao mesmo tempo ouvi o Magistrado conversando com meu guia:

—Chinês, um espião, ao que julgamos, Honrado Lama. Procurava subir a Montanha Sagrada, aparentemente querendo infiltrar-se na Potala. Escorregou e caiu. De que altura? Talvez uns trinta metros. Está em más condições. Meu guia adiantou-se, e eu fui ter a seu lado. Um homem retirou as cobertas, e diante de nós tínhamos um chinês de meia idade. Era bem pequeno, parecendo criatura de agilidade notável — algo assim como um acrobata —, eu estava pensando. Agora, gemia de dor, o rosto molhado de suor e a pele apresentando uma tonalidade de lama esverdeada. O homem se encontrava em mau estado, estremecendo e comprimindo os dentes em agonia. O Lama Mingyar Dondup olhou para ele, tomado de compaixão.

—Espião, talvez assassino, seja lá o que for, temos de fazer algo por ele, — afirmou. Ato contínuo, ajoelhou-se ao lado do homem e pôs as mãos nas têmporas do sofredor, fitando-lhe os olhos.

Em questão de segundos o acidentado descansava, olhos entreabertos, um leve sorriso nos lábios. Meu guia afastou mais as cobertas e inclinou-se sobre suas pernas. Senti-me enojado diante do que via: os ossos da perna do homem apareciam, trespassando-lhe as calças. As pernas pareciam completamente estraçalhadas. Com uma faca aguda, meu guia cortou a roupa do homem. Houve um arquejo por parte dos observadores, ao verem as pernas com ossos inteiramente partidos, dos pés às coxas. O lama, com gestos gentis, apalpou-as. O homem ferido não se moveu nem contorceu, pois estava profundamente hipnotizado. Os ossos da perna rangiam, como o som de sacos de areia cheios pela metade.

tibete-sacerdotes

—Os ossos estão partidos demais para ajustar, disse meu Guia. — As pernas parecem pulverizadas, teremos de amputá-las.

—Honrado Lama — disse o Magistrado —, pode descobrir o que ele estava fazendo? Receamos que fosse um assassino.

—Antes disso, retirar-lhe-emos as pernas, — respondeu o Lama. — Depois poderemos indagar a ele. Inclinou-se novamente sobre o homem, e mais uma vez fitou-lhe os olhos. O chinês pareceu descansar ainda mais, entrando num sono profundo. Eu abrira as bolsas, e pusera o fluido herbáceo esterilizante na tigela. Meu guia mergulhou as mãos, para que se encharcassem. Eu já preparara seus instrumentos, em outra tigela. Sob a direção dele, lavei o corpo e as pernas do homem. Quando toquei nas mesmas, tive uma sensação singular; parecia que tudo fora estraçalhado. Agora, elas apresentavam uma cor azul, sarapintada, com as veias a se assemelharem a cordéis negros. Seguindo as instruções de meu guia, que ainda empapava as mãos, coloquei faixas esterilizadas tão altas quanto pude nas pernas do chinês, onde elas reuniam ao corpo.

Enfiando um bastão em um laço, apertei até que a pressão fez parar a circulação. Com grande rapidez, o Lama Mingyar Dondup apanhou uma faca e cortou a carne, em forma de um “v”. Na ponta desse “v”, serramos o osso — o que restava dele — e depois dobramos as duas abas do “v”, de modo que a extremidade do osso ficasse protegida por uma capa dupla de carne. Entreguei-lhe fio, feito das partes esterilizadas de um iaque, e com rapidez ele costurou essas abas, bem apertadas. Devagar, com cuidado, fui soltando a pressão na faixa que apertava a perna do homem, pronto a apertá-la novamente se o coto sangrasse. A costura se agüentou, nenhum sangue saiu. Por trás de nós, um guarda vomitava com violência, tornando-se branco como gesso, e caindo em desmaio! Com cuidado, meu guia fez curativos no coto e mais uma vez lavou as mãos na solução.

Dediquei minha atenção à outra perna, a esquerda, e passei o bastão pelo laço da presilha. O lama assentiu, e eu fiz girar novamente o bastão, para impedir que o sangue corresse para aquela perna. E logo a mesma estava ao lado da outra, separada do corpo. Meu guia voltou-se para um guarda que o observava, e lhe disse que levasse as pernas, embrulhando-as em tecido.

— Devemos devolver essas pernas à Missão Chinesa, — disse o lama. — Do contrário, eles dirão que ele foi torturado. Pedirei a Sua Santidade que esse homem seja devolvido à sua gente. A missão dele não importa; ela fracassou, como todas as tentativas assim fracassarão.

– Mas, Honrado Lama! — disse o Magistrado. — O homem devia ser forçado a nos contar o que estava fazendo, e o motivo. Meu guia não disse coisa alguma, mas voltou-se novamente para o homem hipnotizado, fitando-lhe profundamente os olhos agora abertos. —O que estavas fazendo? — perguntou. O homem gemeu, e revirou os olhos. Meu guia perguntou-lhe, de novo: —O que ias fazer? Ias assassinar uma Grande Pessoa, dentro da Potala? Espuma surgia ao redor da boca do chinês e então, com relutância, ele assentiu, confirmando. —Fala! — ordenou o lama. — Um assentimento não basta.

E assim, devagar, penosamente, a história se apresentou. Era um assassino, pago para assassinar, pago para criar problemas num país pacífico. Um assassino que fracassara, como todos fracassariam, por não conhecerem nossos dispositivos de segurança! Enquanto eu pensava nisso, o Lama Mingyar Dondup se punha em pé.

—Irei ver O Mais Precioso, Lobsang. Você fique aqui, e guarde esse homem — ordenou. O chinês gemeu.

—Vão matar-me? — perguntou, com voz débil.

—Não! — respondi. — Não matamos ninguém. Umedeci-lhe os lábios, enxuguei-lhe a testa. Ele logo voltava à tranqüilidade; creio que tenha dormido, após aqueles momentos difíceis. O Magistrado o fitava com ar azedo, achando que os sacerdotes eram loucos em querer salvar um assassino frustrado. O dia se arrastava. Guardas vinham, outros iam. Eu sentia o estômago doer de fome. Finalmente, ouvi passos conhecidos, e o Lama Mingyar Dondup entrou na sala. Primeiramente, veio e examinou o paciente, verificando se o homem estava em conforto tão grande quanto as circunstâncias permitiam, e que os cotos não sangravam. Pondo-se em pé, olhou para o funcionário leigo mais graduado e disse:

—Em virtude da autoridade que me dá “O Mais Precioso”, ordeno que providencie duas macas, imediatamente, e leve este homem, com as pernas dele, para a Missão Chinesa. Dito isso, voltou-se para mim:

—Você acompanhará esses homens, e me informará, se eles se mostrarem desnecessariamente brutos, ao transportá-lo. Eu me sentia claramente insatisfeito; ali estava aquele assassino, com as pernas amputadas — e meu estômago rugindo, tão sem comida quanto um tambor de templo. Enquanto os homens se ausentavam, procurando macas, saí correndo, para onde vira os funcionários tomando chá! Com voz altaneira, exigi — e consegui — uma boa porção. Enfiando tsampa afobadamente pela garganta abaixo, regressei correndo. Em silêncio, taciturnos, os homens entraram na sala, atrás de mim, trazendo duas liteiras brutas, feitas de tecido estendido entre as varas. Mal humorados, recolheram as duas pernas e as puseram em uma das macas.

Com gentileza, sob os olhos vigilantes do Lama Mingyar Dondup, colocaram o chinês sobre a outra. Cobriram-lhe o corpo com um pano, e o amarraram sob a maca para que ele não pudesse cair da mesma. Meu guia voltou-se para o funcionário leigo mais graduado e disse:

—Tu acompanharás esses homens, e apresentarás meus cumprimentos ao Embaixador Chinês, dizendo-lhe que estamos devolvendo um de seus homens. Você, Lobsang — disse, voltando-se para mim —, vai acompanhá-los e ao regressar apresente-se a mim. Dito isso, afastou-se, e os homens saíram da sala. O ar estava frio, lá fora, e eu estremeci em meu manto fino. Seguimos pelo Mani Lhakhang, indo à frente os homens que carregavam as pernas, e depois os dois que carregavam a maca com o chinês. Eu seguia a um lado, e o funcionário leigo mais graduado ao outro. Entramos à direita, passamos os dois Parques e prosseguimos rumo à Missão Chinesa.

Com o Rio Feliz rebrilhando à nossa frente, exibindo pontos de luz em meio às árvores, chegamos à muralha externa da Missão. Resmungando, os homens baixaram suas cargas por algum tempo, enquanto descansavam os músculos doloridos, olhando com curiosidade a muralha da Missão. Os chineses se mostravam muito ofendidos com alguém que procurasse entrar ali. Houvera casos de meninos que tinham levado tiros “por acidente”, ao traspassarem a muralha, como crianças gostam de fazer. Agora, íamos entrar! Cuspindo nas mãos, os homens se inclinaram e voltaram a apanhar as macas. Prosseguindo, entramos à esquerda para a Estrada Lingkor, chegando às dependências da Missão. Homens de aspecto patibular vieram à porta, e o funcionário mais graduado disse:

—Tenho a honra de devolver-lhe um de seus homens, que procurou entrar no Terreno Sagrado. Ele caiu, e foi preciso amputar-lhe as pernas. Aqui estão elas, para que vocês as examinem. Guardas chineses, fazendo caretas de desagrado, apanharam as macas e entraram com elas no edifício, levando o homem e suas pernas. Outros, apontando-nos armas, fizeram-nos gestos para que nos retirássemos. Voltamos pela trilha, e eu me escondi atrás de uma árvore, sem ser visto. Os demais prosseguiram. Gritos agitaram o ar. Olhando ao redor, vi que não havia guardas ; todos tinham entrado na Missão. Tomado por impulso tolo, deixei a segurança duvidosa da árvore e corri silenciosamente para a janela. O homem ferido estava estendido no chão, um dos guardas se sentara sobre seu peito, enquanto dois outros estavam sentados sobre seus braços. Um quarto guarda encostava cigarros acesos aos cotos amputados. De repente, o quarto homem se pôs de pé, sacou o revólver e disparou no ferido, entre os olhos.

Um graveto estalou atrás de mim. Imediatamente, pus-me de joelhos e me voltei. Outro guarda chinês surgira, e apontava para mim com um fuzil, visando o ponto onde minha cabeça estivera. Mergulhei entre suas pernas, fazendo-o cair e soltar o fuzil. Com pressa, corri de uma árvore para outra. Tiros vinham pelos galhos baixos, e havia o ruído de pés em carreira, atrás de mim. Ali, a vantagem era toda minha; eu era ligeiro, e os chineses paravam muitas vezes para disparar. Voltei correndo à parte traseira do jardim — o portão já estava guardado — e subi numa árvore que servia para isso, e me arrastei por um de seus galhos, de modo a poder cair sobre a muralha. Segundos depois, estava de volta na estrada, à frente de meus concidadãos, que haviam carregado o ferido. Assim que ouviram o que eu tinha a narrar, apressaram os passos. Já não retardavam mais o passo, na esperança de ver alguma coisa animada; queriam, agora, evitar tudo isso. Um guarda chinês saltou do alto da muralha para a estrada, fitando-me com o ar mais desconfiado. Retribuí-lhe o olhar, com uma expressão cândida. Fazendo uma careta, murmurando uma praga que falava mal de meus pais, ele se voltou para o outro lado. Nós passamos a andar com mais velocidade! De volta na Aldeia de Shó, separei-me dos homens. Olhando um tanto apreensivamente sobre o ombro, apressei-me e logo subia a trilha para Chakpori. Um velho monge, descansando à beira do caminho, chamou:

— O que há com você, Lobsang? Está com aspecto de quem se acha perseguido por todos os Demônios!

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Chakpori em 1920, foi o local da faculdade de medicina monástica de mesmo nome fundada por Sangye Gyatso em 1696. Esta faculdade de medicina, que incorporou um templo restaurado recentemente feita por Thang Tong Gyalpo , foi fornecido com terras geradoras de receitas e com um fluxo constante de estudantes por um “imposto de monge”. Manteve-se uma instituição médica importante no Tibet e na Ásia Central, até meados do século XX

Prossegui correndo e, sem fôlego, entrei na sala de meu guia, o Lama Mingyar Dondup. Por momentos, fiquei ali resfolegando, procurando recuperar o fôlego.

—Puxa! — arquejei, finalmente. — Os chineses mataram aquele homem; mataram-no com um tiro! Em torrente de palavras, narrei-lhe o que acontecera. Meu guia ficou silente, poi momentos. Depois disse:

—Você vai ver muita violência em sua vida, Lobsang, e por isso não fique demasiadamente agitado com este fato. Trata-se do método comum da diplomacia: matar aqueles que fracassam, e renegar os espiões que sejam apanhados. Isso é feito em toda parte do mundo, em todos os países do mundo. Sentados à frente de meu guia, recuperando-me na serenidade calma de sua presença, pensei em outro assunto que me perturbava.

—Senhor! — exclamei. — Como funciona o hipnotismo? Ele me fitou, tendo um sorriso nos lábios.

—Quando foi que você comeu pela última vez? — contrapôs. Em um só assomo, toda minha fome voltou.

—Oh, há umas doze horas, — respondi, um tanto contrafeito.

—Nesse caso, vamos comer agora, aqui, e depois, quando estivermos um tanto mais fortes, poderemos falar sobre hipnotismo.

Com um gesto de mão, fez-me calar, permanecendo na atitude de meditação. Percebi a mensagem telepática que mandava a seus criados — comida e chá. Percebi, também, a mensagem telepática a alguém na Potala, alguém que tinha de ir falar com O Mais Precioso, depressa, para fazer relatório detalhado. Mas minha “interceptação” da mensagem telepática foi interrompida pela entrada de um criado trazendo comida e chá. Voltei a sentar-me, cheio de comida, sentindo-me ainda mais desagradavelmente repleto. O meu dia fora duro, eu passara fome durante muitas horas, mas (o pensamento me perturbava, intimamente) havia comido em demasia, e imprudentemente, naquele momento? De repente, com ar desconfiado, olhei para cima. Meu guia me fitava, e era óbvio em seu semblante que ele havia achado graça em minha atitude.

—Sim, Lobsang, — observou. — Você comeu demais. Espero que consiga acompanhar minha preleção sobre o hipnotismo. Examinou meu rosto enrubescido, e seu próprio olhar abrandou-se.

—Pobre Lobsang, você teve um dia difícil. Vá descansar agora, e continuaremos com a nossa preleção amanhã.

Ergueu-se, deixando a sala. Consegui pôr-me em pé, com esforço, e segui quase trôpego pelo corredor. Dormir! Era tudo quanto queria. Comida? Ora, bolas! Tivera-a em demasia. Cheguei a meu local de dormir, envolvendo-me nos mantos. O sono foi agitado, não houve dúvida; tive pesadelos, no qual chineses sem pernas corriam atrás de mim, em meio a árvores, e outros chineses, com armas, não paravam de saltar sobre meus ombros, na tentativa por derrubar-me.

—”Bumba!” fez minha cabeça, batendo no chão. Um dos guardas chineses desferia-me pontapés. “Bumba!” e minha cabeça bateu de novo. Sem ver direito, abri os olhos e lá estava um acólito, batendo em minha cabeça com energia, e dando-me pontapés, na tentativa desesperada por despertar-me.

—Lobsang! — exclamou, ao ver que eu abri os olhos. — Lobsang, pensei que você estava morto. Você dormiu a noite toda, faltou aos cultos; e somente a intervenção de seu Mestre, o Lama Mingyar Dondup, o salvou dos Inspetores. Acorde! — gritou, pois eu quase voltava a dormir.

A consciência veio inundar-me. Pelas janelas, vi os raios do sol matutino, que parecia fitar-nos por cima dos altos Himalaias, iluminando os edifícios mais altos no vale, mostrando os tetos dourados do Sera distante, brilhando sobre o cimo do Pargo Kaling. Ontem- eu fora à Aldeia de Shö. Ah! Aquilo não fora sonho. Hoje, hoje eu contava faltar a algumas aulas e aprender diretamente com meu amigo Mingyar Dondup. Aprender coisas sobre o hipnotismo, além disso! Logo terminava o desjejum e seguia para a sala de aula, não para ali ficar e fazer récitas dos cento e oito Livros Sagrados, mas a fim de explicar o motivo pelo qual não o fazia!

—Senhor! — disse, ao ver que o Mestre acabava de entrar na sala. — Senhor! Tenho de estar com o Lama Mingyar Dondup hoje. Suplico ser dispensado da aula.

—Ah, sim! Sim, meu menino — disse o Mestre, em tom de voz espantosamente cordial. — Estive conversando com o Santo Lama, seu guia. Ele teve a bondade de fazer comentários favoráveis, a seu respeito, quanto ao progresso que tem efetuado sob meus cuidados; confesso estar reconhecido, reconhecidíssimo. Para meu espanto maior, ele estendeu a mão e bateu-me no ombro, antes de entrar na sala de aula. Perplexo, e sem saber que tipo de mágica haviam feito com ele, segui em direção aos Alojamentos dos Lamas.

Eu seguia, sem qualquer preocupação, leve como uma pluma. Ao passar por uma porta entreaberta… “Epa!” exclamei de repente, fazendo uma parada repentina. “Nozes em conserva!” O odor delas era bem forte. Voltando atrás, em silêncio, espiei pela porta. Um velho monge, de cabeça baixa, parecia estar olhando o chão, murmurando coisas que não eram suas orações, deplorando o desaparecimento de toda uma jarra de nozes em conserva, que de algum modo fora trazida da Índia.

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Porta ocidental de LHASa, o Pargo Kaling

—Posso ajudar, Reverendo Lama? — perguntei, educadamente. O velho voltou para mim o rosto feroz, e fez um comentário de tal natureza que eu segui correndo pelo corredor, enquanto o podia fazer.

—Todas aquelas palavras, só por causa de umas castanhazinhas! — comentava comigo mesmo, cheio de desgosto.

—Entre! — disse meu guia, quando me aproximava de sua porta. — Pensei que você tinha voltado a dormir.

—Senhor! — disse eu. — Vim ter aqui para receber sua instrução. Estou ansioso por conhecer a natureza do hipnotismo.

—Lobsang — disse meu guia —, você tem muito mais a aprender, além disso. Em primeiro lugar, tem de aprender a base para o hipnotismo. De outra forma, não sabe exatamente o que faz. Sente-se. Eu me sentei, as pernas cruzadas, naturalmente, sobre o chão. Meu guia estava sentado à minha frente. Por algum tempo, pareceu imerso em pensamentos, e depois disse:

—A esta altura, você deve ter compreendido que tudo é vibração, eletricidade. O corpo tem muitas substâncias químicas diferentes em sua composição. Algumas delas são levadas ao cérebro, pela corrente sangüínea. O cérebro, como você sabe, recebe o melhor suprimento de sangue e das substâncias químicas que ele contém. Esses ingredientes, potássio, manganês, carbono e muitos outros, formam o tecido cerebral. A interação deles cria uma oscilação singular de moléculas, a que chamamos uma “corrente elétrica”. Quando alguém pensa, põe em movimento uma cadeia de circunstâncias que resultam na formação dessa corrente elétrica, e daí as “ondas cerebrais”

Pus-me a pensar em tudo aquilo; mas não conseguia perceber. Se havia “correntes elétricas” em meu cérebro, por que motivo eu não sentia o choque das mesmas? Aquele menino que estivera soltando papagaio, ao que me lembrava, fazia isso durante uma tempestade elétrica. Eu me lembrei do clarão azul e vívido, quando o relâmpago percorreu sua linha úmida do papagaio; lembrei-me, com estremecimento, como ele tombara ao chão, transformado num monte seco e frito de carne. E, certa feita, também eu recebera um choque da mesma fonte, um simples formigamento comparado ao outro, mas “formigamento” suficiente para me atirar a três metros de distância.

—Honrado Lama! — protestei. — Como pode haver eletricidade no cérebro? Isso poria o homem enlouquecido de dor! Meu guia riu de mim.

—Lobsang! — disse, com uma risadinha. — O choque que você levou uma vez proporcionou-lhe idéia inteiramente incorreta sobre a eletricidade. A quantidade de eletricidade no cérebro é muito pequena. Instrumentos delicados podem medi-la, e traçar as variações, enquanto alguém pensa ou empreende alguma ação física. A idéia de um homem medindo a voltagem de outro era quase demasiada para mim, e comecei a rir. Meu guia simplesmente sorriu, dizendo:

—Esta tarde; vamos andar até a Potala. O Mais Precioso tem lá um dispositivo que nos permitirá conversar com mais facilidade sobre essa questão de eletricidade. Vá divertir-se agora… faça uma refeição, vista o melhor manto que tem, e encontre-se comigo aqui, quando o sol estiver no meio-dia.

Ergui-me, fiz mesura e me retirei. Por duas horas perambulei por ali, andando no teto e atirando pedrinhas na cabeça dos monges que passavam lá embaixo, e que de nada desconfiavam. Cansando-me desse brinquedo, desci de cabeça para baixo por um alçapão, que dava para um corredor escuro. Pendurado, de cabeça pára baixo, pelos pés, cheguei exatamente a tempo de ouvir passos que se aproximavam. Não podia ver, porque o alçapão ficava a um canto. Pondo a língua para fora e fazendo uma cara de ferocidade, fiquei à espera. Um velho fez a volta e, não podendo ver, esbarrou em mim. Minha língua úmida tocou-lhe a face. Ele deu um grito e deixou cair a bandeja que carregava, com estrondo, desaparecendo com velocidade surpreendente para um homem de tal idade.

Também eu recebi uma surpresa: quando o velho monge esbarrara em mim, deslocara meus pés de seu sustentáculo precário. Caí de costas no corredor. O alçapão se fechou, com estrondo, e toda uma carga de poeira sufocante caiu sobre mim! Pondo-me em pé, estonteado, saí correndo tão depressa quanto pude, na direção oposta. Ainda aturdido pelo choque, mudei de manto e fiz uma refeição. choque não fora bastante forte para me levar a esquecer isso! Pontualmente, quando as sombras desapareciam e o dia chegava à sua metade, apresentei-me a meu guia. Com algum esforço, ele conseguiu apresentar-me um semblante calmo, ao me ver.

— Um monge idoso, Lobsang, jura ter sido atacado por um demônio, no corredor do Norte. Um grupo de três lamas foi para lá, a fim de exorcizar o demônio. Não há dúvida de que estarei fazendo minha parte, se o levar… e é você… à Potala, como ficou combinado. Venha! Voltou-se e saiu da sala.

Eu o acompanhei, lançando olhares apreensivos ao redor. Afinal de contas, nunca se sabia ao certo o que aconteceria, se os lamas estivessem exorcizando. Eu tinha visões vagas, nas quais me via flutuando no ar, rumando para destino desconhecido e provavelmente incômodo. Saímos do edifício, indo ter ao ar livre. Dois pôneis estavam prontos, seguros por cavalariços. O Lama Mingyar Dondup montou, e desceu lentamente a montanha. Fui ajudado a montar, e um dos palafreneiros desferiu uma palmada brincalhona no meu pônei. Também o animal parecia estar com vontade de brincar. Baixou a cabeça, ergueu o traseiro e, descrevendo um arco no ar, fez-me escorregar de suas costas. Um palafreneiro voltou a segurar o animal, enquanto eu me levantava do chão e sacudia a poeira do manto. Voltei a montar, atento, para evitar que os palafreneiros se saíssem com outra.

O pônei sabia que estava com um pateta a bordo. O animal estúpido continuava andando pelos lugares mais perigosos, detendo-se à beira dos mesmos. Ali, baixava a cabeça e fitava com ânsia o chão rochoso lá embaixo. Finalmente, desmontei e puxei o pônei atrás de mim. Assim, andava mais depressa. No sopé da Montanha de Ferro, montei novamente e acompanhei o meu guia, entrando na Aldeia de Shö. Ele tinha algo a fazer ali, o que nos deteve por algum tempo. Foi o bastante para que eu me recuperasse, em fôlego e na compostura, estraçalhada no tombo. Depois, montando de novo, subimos a Estrada da Potala, larga e de degraus. Com satisfação, entreguei meu pônei aos palafreneiros que encontramos. Com satisfação ainda maior, acompanhei o Lama Mingyar Dondup a seu próprio apartamento. Meu prazer era tanto maior quanto eu sabia que ficaria ali por um ou dois dias. Não tardou o momento de comparecer ao culto no Templo lá embaixo.

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LHASa, o palácio Potala

Ali na Potala, os serviços religiosos eram — como eu julgava — excessivamente formais, a disciplina rigorosa demais. Tendo-me divertido mais do que cabia em um dia, bem como sofrendo muitos pequenos ferimentos, tratei de apresentar meu melhor comportamento, e o serviço se concluiu sem incidentes. Era já coisa aceita que, quando o meu guia se achasse na Potala, eu ocupasse um pequeno quarto ao lado do dele. Fui para lá, sentando-me para aguardar os acontecimentos, sabendo que o Lama Mingyar Dondup estava dedicado a questões de estado, com um funcionário de alta graduação, que regressara recentemente da Índia.

Era fascinante espiar pela janela e ver a Cidade de LHASa a distância. A visão apresentava beleza insuperável: lagos orlados por salgueiros, fulgores dourados vindos do Jo Kang, e a multidão fervilhante de peregrinos que erguia seu clamor ao pé da Montanha Sagrada, na esperança de ver O Mais Precioso (que se achava na residência) ou, ao menos, algum alto funcionário. Um cordão interminável de comerciantes e seus animais seguia devagar pelo Pargo Kaling. Fiquei pensando, por momentos, nas cargas exóticas que traziam, mas fui interrompido por passos leves atrás de mim.

— Vamos tomar chá, Lobsang, e depois prosseguiremos com nossa palestra, — disse meu guia, que acabara de entrar. Eu o acompanhei a seu quarto, onde encontramos alimentos muito diferentes daqueles geralmente servidos a um monge pobre. Chá, naturalmente, mas havia também coisas doces, trazidas da Índia. Era tudo de meu agrado, muito de meu agrado! De modo normal, os monges não falam, enquanto comem; isso é considerado desrespeito ao alimento, mas naquela ocasião o meu guia disse que os russos procuravam criar problemas para o Tibete, e procuravam infiltrar espiões em nosso país. Logo terminamos a refeição, e seguimos para os aposentos onde o Dalai Lama guardava muitos dispositivos estranhos, vindos de terras distantes. Por algum tempo, ficamos a examiná-los, apenas, o Lama Mingyar Dondup indicando objetos estranhos e explicando o uso que tinham. Finalmente, ele se deteve a um canto da sala, dizendo:

—Olhe para isto, Lobsang! Fui ter a seu lado, e não fiquei impressionado, em absoluto, pelo que via. Diante de mim, sobre uma mesinha, havia uma jarra de vidro. Em seu interior, havia dois fios finos pendentes, cada qual sustentando em sua extremidade uma pequena esfera de algo que parecia ser medula de salgueiro.

—É medula! — comentou meu guia, secamente, quando manifestei minha opinião.

— Você, Lobsang, pensa na eletricidade como algo que dá choque. Existe outra espécie, ou manifestação, a que chamamos eletricidade estática. Agora, observe! Da mesa, o Lama Mingyar Dondup retirou um bastão luzidio, com mais ou menos um palmo de comprimento. Esfregou-o com rapidez no manto, e depois o levou para perto da jarra de vidro. Para minha enorme surpresa, as duas esferas de medula se afastaram, com violência — e permaneceram afastadas, mesmo quando o bastão foi retirado.

—Continue observando! — exortou meu guia. Pois bem, era exatamente o que eu fazia. Após alguns minutos, as bolas de medula desceram novamente, devagar, sob o chamamento normal da gravidade. E logo estavam pendentes, em vertical, como acontecera antes da experiência.

—Faça você, agora, — disse o lama, estendendo-me o bastão negro.

—Pela Bem-aventurada Dolma! — gritei. — Eu não vou tocar nessa coisa! Meu guia dava gargalhadas, ao ver o ar mais do que agitado por mim exibido.

—Tente, Lobsang — disse, com suavidade —, porque eu nunca fiz uma brincadeira de mau gosto com você, até hoje.

—Sim — resmunguei —, mas uma vez é sempre a primeira. Ele me obrigou a segurar o bastão. Com cuidado, apanhei o objeto horrível. Relutando, temeroso (esperando um choque a qualquer momento), esfreguei o bastão em meu manto. Não houve sensação alguma, nenhum choque ou formigamento. Finalmente, eu o levei em direção à jarra de vidro e — maravilha das maravilhas! — as bolas de medula se afastaram outra vez!

—Como vê, Lobsang — observou meu guia —, a eletricidade está em ação, mas você não sente choque algum. É essa a eletricidade do cérebro. Venha comigo. Levou-me a outra mesa, sobre a qual se achava um dispositivo dos mais notáveis. Parecia ser uma roda, sobre cuja superfície havia numerosas placas de metal. Dois bastões eram fixos, de modo que um feixe de fios vindos de cada um tocava de leve duas dessas placas. Dos bastões, fios iam ter a duas esferas de metal, distantes uma da outra mais ou menos um palmo. Aquilo tudo não fazia sentido algum para mim.

“Estátua de um demônio!” eu pensava. Meu guia confirmou essa impressão, com o que fez em seguida. Apanhando uma manivela que se projetava na parte traseira da roda, fê-la girar com vigor. Com grunhido de raiva, a roda passou a viver, emitindo clarões e cintilando. Das esferas de metal, uma grande língua de relâmpago azul saltou, chiando e estalejando. Surgiu um odor estranho, como se o próprio ar estivesse queimando. Eu não ia esperar mais: aquele, do modo mais claro possível, não era o lugar para mim. Atirei-me debaixo da mesa maior e procurei sair para a porta distante, arrastando-me pelo chão. O chiado e o estalejar pararam, sendo substituídos por outro som. Eu me detive, na fuga, pondo-me a ouvir com espanto. Aquilo não era o som de gargalhadas? Nunca! Nervosamente, examinei a situação, do abrigo onde me achava. Lá estava o Lama Mingyar Dondup, quase explodindo de riso. Lágrimas de hilaridade escorriam de seus olhos, enquanto o rosto se lhe tornara vermelho de divertimento. Parecia arquejante.

—Oh, Lobsang! — disse, finalmente. — É a primeira vez que vejo alguém tão assustado por uma Máquina Winshurst. Esses engenhos são utilizados em muitos países estrangeiros, para demonstração das propriedades da eletricidade. Eu rastejei, saindo de onde estava, sentindo-me bastante imbecil, e espiei mais de perto aquela máquina estranha. O lama disse:

—Eu vou segurar estes dois fios, Lobsang, e você faça girar a manivela com a maior velocidade possível. Vai ver o relâmpago ao redor de mim, mas isso não me fará mal, nem causará dor. Vamos tentar. Quem sabe? Talvez você tenha a oportunidade de rir de mim!

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Máquina de Wimshurst: As máquinas eletrostáticas de influência geram altas tensões através de influência de campos elétricos, sem o uso de atrito para separar cargas.

Tomou dois fios, um em cada mão, acenando-me para que começasse. De cara amarrada, empunhei a manivela e a fiz girar com a maior velocidade que pude. Tive de gritar, com espanto, quando faixas grandes, purpúreas e violetas, de relâmpago, percorreram as mãos e o rosto de meu guia. Ele se mostrava inteiramente imperturbável. Enquanto isso, aquele odor voltara.

—É ozônio, coisa inofensiva, — disse o meu guia. Eu, finalmente, deixei-me persuadir a segurar os fios, enquanto o lama empunhava a manivela. O chiado e estalejar se mostravam inteiramente assustadores, mas quanto à sensação — parecia mais uma brisa fresca do que qualquer outra coisa! O lama tirou diversas coisas de vidro de uma caixa e, uma por uma, ligou-as por fios à máquina. Quando acionou a manivela, vi uma chama brilhante ardendo dentro de uma garrafa de vidro e, nas demais, uma cruz e outras formas de metal, delineadas por fogo vivo. Em parte alguma, porém, senti choque elétrico. Com essa Máquina Winshurst, meu guia demonstrou como uma pessoa que não fosse clarividente podia ver a aura humana, mas falaremos sobre isso depois.

Com o tempo, esmaecendo a luz do dia, desistimos de nossas experiências e voltamos ao quarto do lama. Havia, em primeiro lugar, o culto da tarde, pois nossa vida no Tibete parecia inteiramente circunscrita pelas necessidades de cerimônias religiosas. Tendo deixado o serviço religioso, voltamos ao apartamento de meu guia, o Lama Mingyar Dondup, onde nos sentamos na atitude costumeira, de pernas cruzadas, no chão, tendo entre nós a mesinha com mais ou menos palmo e meio de altura.

—Bem, Lobsang — disse meu guia —, temos de tratar dessa questão do hipnotismo, mas antes disso é preciso esclarecer o funcionamento do cérebro humano. Eu lhe mostrarei… ao que espero!… que pode haver a passagem de uma corrente elétrica sem que se sinta dor ou desconforto. Agora, você deve levar em conta que, quando uma pessoa pensa, gera uma corrente elétrica. Não precisamos entrar na questão de como uma corrente elétrica estimula uma fibra muscular e causa reação, pois todo o nosso interesse, no momento, é a corrente elétrica — as ondas cerebrais que já foram tão claramente medidas e registradas pela ciência médica ocidental.

Reconheço que achei algum interesse nisso, porque a meu modo humilde sempre julgara que o pensamento tinha uma força, porque me lembrava o cilindro de pergaminho, com perfurações, que utilizara às vezes na Lamaseria, e que eu fizera girar, usando unicamente a força do pensamento.

—Sua atenção está devaneando, Lobsang! — disse meu guia.

—Desculpe, Honrado Mestre — respondi. — Estava apenas refletindo sobre a natureza indubitável das ondas do pensamento, e pensando na distração que tirei daquele cilindro, que o senhor me apresentou há alguns meses. Meu guia olhou para mim, dizendo:

—Você é uma entidade, um indivíduo, e tem seus próprios pensamentos. Pode achar que vai adotar algum rumo de ação, como suspender aquele rosário. Já ao pensar na ação, seu cérebro faz com que a eletricidade circule de seus componentes químicos, e a onda da eletricidade prepara seus músculos para a ação iminente. Se uma força elétrica maior ocorresse em seu cérebro, nesse caso sua intenção inicial de erguer o rosário seria contrariada. É fácil ver que, se eu puder persuadi-lo de que não consegue erguer o rosário, nesse caso seu cérebro… estando fora de seu controle, você não conseguirá erguer o rosário, ou executar a ação que planejava.

Eu o fitei, e pensei no caso, que realmente não fazia muito sentido para mim, pois como poderia ele influenciar a quantidade de eletricidade que meu cérebro estivesse criando? Pensei sobre isso, olhei para ele e fiquei imaginando se devia dar expressão à minha dúvida. Não houve necessidade, porém, pois ele a adivinhara e se apressou a me esclarecer.

—Posso garantir-lhe, Lobsang, que o que digo é fato demonstrável, e num país ocidental poderíamos provar tudo isto, mediante um aparelho que traçaria as três ondas cerebrais básicas. Aqui, entretanto, não dispomos de tal equipamento, e somente podemos falar sobre a questão. O cérebro gera eletricidade, gera ondas, e se você resolver erguer o braço, nesse caso o seu cérebro gera ondas de acordo com a intenção de sua decisão. Se eu puder… falando de modo teórico… aplicar uma carga negativa em seu cérebro, nesse caso sua intenção inicial será frustrada. Em outras palavras, você pode ser hipnotizado.

Aquilo começava a fazer sentido. Eu vira a Máquina de Winshurst e assistira a diversas demonstrações efetuadas com sua ajuda, e vira como era possível alterar a polaridade de uma corrente, fazendo assim com que ela seguisse em direção oposta.

—Honrado Lama — exclamei —, como é possível ao senhor levar uma corrente a meu cérebro? O senhor não pode tirar a tampa de minha cabeça e pôr alguma eletricidade lá dentro. Nesse caso, como pode fazer isso?

—Meu caro Lobsang — disse meu guia —, não é necessário entrar em sua cabeça, porque eu não preciso criar qualquer eletricidade e pô-la em você, mas posso fazer sugestões apropriadas, pelas quais você se convencerá da precisão de minhas afirmações ou sugestões, e em seguida você… sem qualquer controle voluntário de sua parte… criará sozinho essa corrente negativa. Olhou para mim, acrescentando:

—Não desejo, de modo algum, hipnotizar pessoa alguma, contra a vontade dela, a não ser em caso de necessidade médica ou cirúrgica, mas creio que com sua colaboração seria bom demonstrar uma questão simples de hipnotismo. Eu exclamei, mais do que depressa:

—Oh, sim, eu adoraria experimentar o hipnotismo! Ele sorriu largamente diante de minha impetuosidade, e perguntou:

—Pois bem, Lobsang, o que, em condições normais, você não gosta de fazer? Pergunto isso, porque quero hipnotizá-lo e levá-lo a fazer algo que você, por gosto, não faria, de modo a ficar pessoalmente convencido de que, ao fazer essa coisa, está agindo sob influência involuntária. Pensei por momentos, e não sabia o que dizer, pois eram tantas as coisas que não gostava de fazer! Fui salvo dessa dificuldade por meu guia, que exclamou:

—Eu sei! Você não tem desejo algum de ler aquele trecho bastante complexo, no quinto volume do Kangyur. Acredito que se estivesse com bastante medo de que alguns dos termos ali usados o traíssem, e traíssem o fato de que naquela determinada questão você não estudou tão assiduamente quanto é desejado por seu professor!

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Fiquei bastante abatido com isso e reconheço que também senti as faces corarem, com algum embaraço. Era inteiramente verdade, pois havia uma passagem bastante difícil no Livro, que me levava a apuros sérios. Entretanto, no interesse da ciência, estava pronto a ser persuadido a lê-la. Na verdade, tinha quase uma fobia quanto a ler aquele trecho! Meu guia sorriu e disse:

—O Livro está ali, ao lado da janela. Traga-o aqui, procure esse trecho e leia em voz alta, e se você não tentar lê-lo, se quiser embaralhar a coisa toda… teremos uma prova muito melhor. Com relutância, fui apanhar o Livro e, com má vontade extrema, revirei-lhe as folhas. Nossas páginas tibetanas são muito maiores — muito mais pesadas — do que as dos livros ocidentais. Procurei de um para outro lado, tornei as coisas tão arrastadas quanto possível. Ao fim, cheguei à passagem apropriada e confesso que a mesma, devido a algum incidente anterior com um professor, vinha trazer-me uma sensação de enjôo quase físico. Eu ali estava, com O Livro à frente, e por mais que me esforçasse não conseguia pronunciar aquelas palavras. Isso pode parecer estranho, mas era um fato, porque eu fora tão maltratado por um professor incompreensivo que adquirira um verdadeiro ódio por aquelas frases sagradas.

Meu guia olhou para mim — só isso. Olhou para mim, e logo algo pareceu estalar dentro de minha cabeça e eu descobri, com surpresa considerável, que estava lendo, não apenas “lendo”, mas fazendo-o de modo fluente, com facilidade, sem qualquer hesitação. Chegando ao fim do parágrafo, estava com a sensação mais inexplicável possível. Baixei O Livro e fui até o meio da sala, onde plantei uma bananeira, isto é, fiquei de cabeça para baixo! “Estou ficando louco!” pensava. “O que meu guia vai pensar de mim, se me comporto deste modo inteiramente idiota?” Mas logo me ocorreu que meu guia me levava — influenciava-me — a comportar-me assim. Com rapidez, pus-me em pé e descobri que ele sorria para mim, com uma expressão da maior benevolência.

—É, realmente, uma questão das mais simples, Lobsang, a de influenciar uma pessoa. Não há dificuldade alguma, para quem tenha aprendido a questão básica. Eu apenas pensei em algumas coisas, e você recolheu meus pensamentos telepaticamente, e isso levou seu cérebro a reagir do modo como eu antevira. Assim, certas flutuações em seu padrão cerebral normal foram causadas, produzindo esse resultado muito interessante!

—Honrado Lama! — disse eu. — Quer dizer que, se pudermos pôr uma corrente elétrica no cérebro de alguém, podemos levá-lo a fazer tudo que quisermos?

—Não, não quer dizer isso, em absoluto, — respondeu meu guia. — Quer dizer que, se podemos persuadir alguém a uma certa ação, e a ação que desejamos não for contrária à crença dessa pessoa, nesse caso ela certamente a executará, apenas porque suas ondas cerebrais foram alteradas, e qualquer que tenha sido sua intenção inicial, ela reagirá como foi sugerido pelo hipnotizador. Na maioria dos casos, a pessoa recebe sugestões de um hipnotizador, e não há influência verdadeira exercida pelo mesmo, senão a influência da sugestão. O hipnotizador, mediante alguns truques, consegue induzir um rumo de ação na vítima, contrário àquele que a mesma planejava. Fitou-me a sério, por momentos, e depois aduziu:

—Está claro que você e eu temos outros poderes, além desse. Você conseguirá hipnotizar uma pessoa instantaneamente, até mesmo contra a vontade dela, e esse dom está sendo dado a você, devido à natureza singular de sua vida, devido às vicissitudes muito grandes, devido ao trabalho excepcional que terá de realizar. Sentado, fitava-me para poder avaliar se eu assimilara a informação que me dera e, satisfeito ao ver que isso acontecia, prosseguiu:

—Mais tarde… ainda não… você aprenderá muito mais acerca do hipnotismo e como hipnotizar com rapidez. Quero dizer que também terá seus poderes telepáticos aumentados, porque, quando viajar do Tibete para outros países distantes, precisará estar em contato conosco todo o tempo, e o meio mais rápido e eficiente é por telepatia. Tudo aquilo me deixava inteiramente taciturno. Por todo o tempo eu parecia estar aprendendo coisas novas e, quanto mais aprendia, menos tempo tinha para mim mesmo, parecendo-me que uma quantidade cada vez maior de trabalho estava sendo aduzida, sem que retirassem nenhuma!

—Mas, Honrado Lama! — disse. — Como a telepatia funciona? Não parece acontecer coisa alguma entre nós, mas ainda assim o senhor sabe quase tudo que penso, ainda mais quando não quero que saiba! Meu guia fitou-me, riu e disse:

—É uma questão realmente muito simples, a telepatia. Basta controlar as ondas cerebrais. Veja a coisa do seguinte modo: você pensa, seu cérebro gera correntes elétricas que flutuam, de acordo com as variações de seu pensamento. De modo normal, seus pensamentos vão ativar um músculo, de maneira que um membro se erga ou baixe, ou você pode estar pensando em certo assunto, a distância, seja ele qual for, e sua energia mental é irradiada… isto é, a força-energia de seu cérebro é emitida indiscriminadamente em todas as direções. Se houvesse um meio pelo qual você pudesse focalizar seu pensamento, nesse caso o mesmo seria de intensidade bem maior na direção para a qual foi focalizado.

Olhei para ele, lembrando-me de pequena experiência que me revelara, algum tempo antes; tínhamos estado em posição bastante parecida àquela, isto é, bem alto, sobre O Pico (como nós, tibetanos, chamamos o Potala). O lama, meu guia, na escuridão da noite, acendera pequena vela e a luz tremeluzia com debilidade. Ele, porém, pusera uma lente de aumento diante da vela e, ajustando a distância da mesma em relação à chama, conseguira projetar sobre a parede uma imagem muito mais brilhante da chama. Para fortalecer a lição, pusera uma superfície brilhante por trás da vela e isso, a seu turno, concentrara a luz ainda mais, de modo que a imagem sobre a parede se tornara maior. Falei-lhe disso, e ele respondeu:

—Sim! É inteiramente correto, por diversos truques é possível focalizar o pensamento, enviá-lo em certa direção predeterminada. Na verdade, cada pessoa tem o que podemos chamar de um comprimento de onda individual, isto é, a quantidade de energia na onda básica emitida pelo cérebro de qualquer pessoa segue uma ordem precisa de oscilação, e se pudermos determinar a cadência de oscilação da onda cerebral básica de outra pessoa, e sintonizarmos com essa oscilação básica, não haverá dificuldade alguma em transmitir nossa mensagem, pela chamada telepatia, qualquer que seja a distância. Fitava-me com firmeza, agora, e acrescentou:

—Você deve tornar bem claro em seu espírito, Lobsang, que a distância nada significa, quando se trata de telepatia. A telepatia pode ultrapassar os oceanos, pode ultrapassar até mesmo os mundos! Confesso que estava ansiosíssimo por poder fazer mais no reino da telepatia. Visualizava a mim próprio, conversando com aqueles companheiros que se achavam em outras lamaserias, tais como o Sera, ou mesmo em regiões distantes. Pareceu-me, entretanto, que todos os meus esforços haviam sido dedicados a coisas que me auxiliariam no futuro, futuro esse que, de acordo com todas as profecias, seria sem a menor dúvida uma coisa das mais tenebrosas. Meu guia voltou a interromper-me os pensamentos:

—Voltaremos mais tarde a essa questão de telepatia. Examinaremos também a questão de clarividência, porque você disporá de poderes anormais de clarividência, o que lhe facilitará as coisas, se souber como funciona esse processo. Tudo gira ao redor das ondas cerebrais e da interrupção do Registro Akáshico, mas a noite chegou, devemos encerrar nossa palestra por enquanto, preparar-nos para dormir, para estarmos descansados a tempo para o primeiro serviço. 

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Pôs-se em pé e eu o imitei. Fiz-lhe uma mesura, em atitude de respeito, e desejei poder demonstrar de modo mais adequado o respeito profundo que sentia por aquele grande homem, que se tornara tão meu amigo. Por instantes, um rápido sorriso nos lábios, ele se adiantou, e senti-lhe a mão quente no ombro. Um gesto gentil, e ele disse:

—Boa noite, Lobsang, não devemos demorar mais, ou voltaremos a ser dorminhocos… incapazes de acordar… quando chegar o momento de estarmos presentes às nossas devoções.

Em meu quarto, fiquei por uns momentos em pé à janela, por onde entrava o ar frio da noite. Olhei para as luzes de LHASa, refletindo em tudo o que me fora dito e em tudo que tinha ainda por aprender. Pareceu-me óbvio que quanto mais aprendia tanto mais havia a aprender, e fiquei pensando onde tudo aquilo acabaria. Com um suspiro, talvez de desesperança, envolvi-me melhor no manto e me deitei no chão frio, para dormir.


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